O PUM DA DISCÓRDIA

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"Diário amigo, sei que há tempos não escrevo em suas tão finas e sutis folhas, mas a adolescência já me leva um tempo ingrato.

E em uma dessas reviravoltas que a vida dá consegui a Julinha, uma menina doce e forte de olhar sincero e um tanto perspicaz, mãos delicadas e firmes (minhas espinhas e cravos bem sabem) que em um dia de não família em casa pôde conhecer minha nova tv de led e um sofá branco e charmoso escondido entre uma coberta de linho que minha mãe insiste em cobrir por medo de vandalismo de meu irmão Carlos.

Bem, como um dia perfeito quase cheguei a insana vontade de me beliscar querendo crer que não havia ninguém mais naquele universo perfeitamente aconchegante entre salgadinhos e refri de marca que não via desde o aniversário da minha prima Camila.

Esse com certeza é um daqueles momentos estranhos o qual você vê a garota da sua vida em seu mundo particular e não lhe passa de jeito nenhum pela cabeça a naturalidade que deveria haver nessa situação.

É minha casa e a garota mais especial do mundo está lá sabe-se lá por quê. Não sou feio que dói, mas não sou o tipo de adolescente que teve a sorte da cabeça já estar em conformidade com o corpo. Sento no fundo da sala porque cansei das piadinhas e pedidos para desparafusar minha cabeçona 'atrapalhona'.

Bem, foi isso. Seria perfeito para um adolescente que o máximo que chegou com uma garota foi um bom dia torto e cheio de timidez. Iria beijar! Não aquele beijo sonso de namoradinhos tão sonso quanto, mas um beijo de língua! Demorado e nojento como deve ser..."

Alguém bate na porta. Teddy, rápido e desajeitado esconde o diário por debaixo da cama. Atende a porta ainda confuso. É sua irmã Aninha, uma garotinha de não mais que nove anos com um olhar desinteressado.

- Seu amigo tontão e feio tá aí.

- Joe?

- Você tem outro?

Aninha tem uma queda de avião por Joe. Paixão infantil. Joe é tão bonito que Teddy não compreende como é seu amigo. Talvez porque ainda não compreendeu o tamanho do seu charme ou apenas não se importa mesmo.

- Cara conta como foi o encontro com a mina.

- Não sou garimpeiro pra ter mina.

- Fala logo cara!

Teddy reluta um pouco, mas solta uma bomba que o amigo burrinho não consegue controlar o riso alto e descomposturado.

- Ela o quê?

- Eu não sei o que pensar. Eu ainda tô meio zonzo.

- Mas como?

- Você quer que eu te explique como a situação acontece fisiologicamente ou como ela foi capaz?

- Cara, mas isso acontece...

- Acontece é claro e muito, mas não quando você está prestes a beijar a garota que você ama.

- Ah mas que diferença faz?

- Como continuar no clima?

- Foi só um punzinho. Um dia isso iria acontecer.

- Joe isso até pode acontecer quando você conhece a pessoa há anos e não  duas semanas.

- Ela só diminuiu o tempo.

Teddy segura o amigo pelos ombros como se quisesse acorda-lo de um sonho ruim.

- Não tem essa de diminuir o tempo. Ela soltou um pum alto e fedido e pior: ela nem ligou. Riu da minha cara como se eu fosse o esquisito. Ela vai peidar o resto da vida?

- Se Deus quiser.

- Meus pais não fazem isso na frente do outro. Nunca fizeram. Minha mãe fecha a porta do banheiro até pra limpar as orelhas com cotonete.

- Como você sabe?

- Porque eu nunca vi - Teddy gesticula as mãos em conformidade com cada palavra.

- Seu pai teve um infarto com 44 anos.

- E?

- De tanto segurar pum.

- Não seja ridículo.

- Deixa a mina peidar. Ela continua linda mesmo fazendo som pelo orifício auricular.

- Onde você aprendeu essa palavra?

- Eu mandava todo o mundo tomar naquele lugar. Minha mãe me fez repetir essas palavras duzentas vezes.

- Eu não gosto do som que o orifício dela faz.

- Mas cara então você não vai namorar ninguém.

- Não é isso. Tem um tempo pra pessoa fazer essas coisas. Tipo uns dois anos de namoro.

- A mina vai ter que esperar dois anos pra peidar?

- Cala a boca Joe.

Joe descansa a mão no ombro do amigo pensando compreender melhor sua tragica situação.

- Você é gay né?

- O quê?

- Desculpa... Homossexual.

- Você é doido?

- Cara um homem de verdade não liga pra essas coisas. Você quer uma pessoa que não peida cara. Você é estranho... ou gay.

- Eu preciso ir.

- Não 'pera aí. Fala com ela cara. Talvez ela não percebeu que isso te magoou.
Joe não costumava falar coisas inteligentes, mas esse conselho nem bateu na trave: foi gol de placa.

À tarde procurei por minha amada peidorreira e já no campinho velho e esburacado lhe contei sobre meu incômodo. Não pude dar voltas no assunto era algo muito sério para rodeios.

- O quê? Você se incomodou com isso? Cara meus pais fazem campeonato há anos de quem peida mais alto e mais fedido. Tem até a categoria adivinha o que eu comi e você me vem com essas frescuradas?

- Desculpa eu não pensei por esse lado.

- Me desculpe também. Não sabia que você era gay.

- Eu não sou gay - grita.

- Então você é bobo.

- Vai continuar peidando?

- Se Deus quiser.

- Então precisamos nos separar.

- Sinto muito. Sua princesa sem orifício auricular talvez algum dia chegue. Beijos.

"E foi assim que a garota mais linda e peidorreira me deixou. Isso não foi o mais triste. Triste foi ver que ela pensava e falava igual ao Joe e mais triste ainda foi vê-los juntos dois dias depois.

Bem não terminei a amizade. Além de não compensar perder o amigo eles se separaram uma semana após o início de namoro: Joe perdeu o campeonato de puns da família."

TEDDY O COITADINHOOnde histórias criam vida. Descubra agora