ENTÃO É NATAL... O QUE FOI QUE EU FIZ?

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Pensei ser um pouco cedo para pensar em todos os fracassos que vivi durante o ano que se finda, então me concentrei nos quitutes de Dona Laurinda. Não. Minha mãe não chama Laurinda, é um nome de gente feliz e cozinheira e minha mãe só é feliz mesmo.

Dona Linda - e fique por aí, pois o resto do nome se esconde no recôndito de uma certidão de nascimento no fundo da gaveta como uma pérola em uma concha malcriada - Não era o que poderíamos chamar de grande cozinheira, na verdade nem grande e nem cozinheira de mão cheia, a não ser se for cheia do material de codinome meu traseiro.

Histórias de nomes à parte, resolvemos que esse ano teríamos uma ceia digna de novela das oito, mas sem brigas ou gente saindo da mesa sem roer o último osso de chester, sabe, aquele frango halterofilista, que só o peito alimenta uma família inteira de orangotangos famintos.

Descobri que uma baita férias foi adiada por conta dessa reunião de família.

Seria trágico se não fosse triste saber que toda aquela fartura fazendo uma sinfonia em minha boca sacolejante de um recém formado em vergonha alheia iria amargar uma lembrança sórdida de piscinas cintilantes,  passeios furtivos, comida de hotel -Ah comida de hotel - pra servir um bando de tio do pavê e tias das namoradinhas.

Meu irmão Carlos e minha irmã Aninha ficaram incumbidos de pegar os parentes no terminal rodoviário junto à papai. Carlos, recém habilitado, mas não habilidoso iria trazer os parentes menos queridos, achei uma piada infame, mas verdadeira.

A mim sobrou a triste tarefa de buscar o restante dos quitutes que agora consistiam em sobremesas de potes, colher e baboseiras mais. O que havia acontecido com os simplórios pratinhos de festa?

Os cupcakes estavam cheirosos, assim como os quindins. Assim que deixei a casa de Dona Laurita me enfiei em um uber que pedi em pensamento de tão ligeiro.

Apontei para a avenida principal e o sujeito com cara de pangaré com gripe seguiu sem ao menos dizer se entendeu minha nada esclarecida explicação.

Encarei os cupcakes com um deliquente profissional e distraído escolhi o de chocolate silvestre com açúcar alegrete e me perguntei porque repeti mentalmente esse nome ridículo.

Quando voltei minha visão para a parte externa percebi que em nada tinha a ver com a paisagem de minha rua ou redondezas. Desconfortável questionei se estávamos nas ruas das orquídeas e em retorno recebi mais desdém e desumanidade.

Tentei disfarçar a anormalidade do caso, mas quando menos percebi estava sacolejando no banco de trás feito uma criança com crise de birra, chorando e dizendo que exigia saber onde estava.

Sim. Ridículo ao extremo. Na minha mente queria que saísse uma intimação com voz firme de super herói ponta de linha, mas o desespero me passou uma bela rasteira.

Quando percebi que não me ouvia comecei a perguntar se era uma pegadinha, então enxuguei as lágrimas já me vendo na tv feito um babyssauro recém-nascido.

O vazio existêncial bateu em mim então desesperado deixei a grande embalagem adocicada de lado e comecei a bater no banco do motorista freneticamente feito um debiloide esquisitão.

Irritado o marmanjo parou o carro no meio do nada, abriu a porta, me puxou pela gola da camisa e me jogou para fora do carro sei lá o quê enquanto gritava que não era um uber e que eu entrei de enxerido no seu veículo.

Arrancou enraivecido e eu permaneci com a expressão patética olhando aquele carro de marca sei lá se afastando. Passei as mãos pelos cabelos mais calmo por não ter sido assassinado e largado em uma vala qualquer, mas então me lembrei que só estava passando as duas mãos nos cabelos porque estavam vazias.

Quis até ter outro surto, mas então me lembrei que não sabia onde estava e para piorar meu celular havia ficado na casa de Dona Laurita e para piorar ao quadrado não estavamos mais na era dos orelhões.

Olhei para o céu e percebi que além de um clima sinistro estava se formando a noite. Não podia caminhar, pois não sabia para onde ir. As casas eram humildes ao extremo, os caminhos não levavam a lugar algum. Nenhum local de referência. Parecia um lugar no meio de lugar nenhum.

Iniciei a temer por minha vida. A alegria de Natal haveria de se tornar em mais um na estatística de mortos por burrice. Paralisei. Minhas pernas não saiam do lugar.

Ouvi passos vindos de todas as direções. Parecia mais com uma cena de produção duvidosa de filmes de zumbis. O baixo orçamento era visível. Quando percebi que me notaram tentei correr, mas já haviam me circundado.

Quando um líquido quente iria se iniciar a escorrer pelas pernas alguém gritou para que se afastassem. Era um homem um pouco avançado em idade, uma garotinha de roupas gastas e chinelos nos pés e um cachorro magricelo acompanhado de um porquinho inquieto.

A cena já não era animadora, mas ter um porquinho nela já era demais.
Veio ao meu encontro serelepe e eu pra fingir camaradagem deixei que lambesse minha mão. Limpei na camisa sem perceberem.

Disse pra menina pegar a charrete e achei bem estranho o jeito que chamou seu carro, até  descobrir que era mesmo uma charrete. Respirei fundo como quem dorme durante um pesadelo.

Subiram todos e eu fiquei apenas observando a cena estranha até perceber que faria parte do comboio.

Perguntou pra onde iria e incrédulo lhe disse. Amedrontado subi, e mais amedrontado fiquei ao perceber que teria por companhia uma criança, um cão e um porquinho. A criança me assutou mais. Parecia discípula de Oompa Loompa, ou di du ou di di, algo assim.

Permaneci em silêncio durante o trajeto. Aos poucos o medo se transformou em uma ponta de piedade ao ver que dividiam um pequeno galão de água e um pacote de bolacha entre todos. Me ofereceram, mas complacente recusei.

Assim que dobraram uma rua com asfalto reconheci o início da avenida e então compreendi que agora iríamos para algum lugar. Foi um pouco vergonhoso cruzar ruas conhecidas em uma charrete com um burro, nesse caso acho que seriam dois, pois também me sentia um.

Ao dobrar a esquina de casa fui recebido com preocupação e risos de Carlos, primos e irmã chatonilda.
Mamãe correu ver se estava bem, mas logo começou  a estranhar a presença daquele quarteto. Expliquei o ocorrido e perguntei se poderiam cear com a gente.

Mamãe me olhou como um grau de incredulidade, mas compreendeu que ainda estava em estado de choque.

Todos nos sentamos à mesa,  inclusive Bernardino, o  porquinho. A pequena Oompa di do voou no chester suculento como um nadador em uma piscina com o desespero de quem espera uma medalha.

Ninguém estava confortável, mas descobri que nunca estive também, pelo menos meus tios e tias chatas ficaram sem assunto de tão pasmos com a cena.

Ao lembrar que os doces estavam viajando por aí mamãe inventou um pavê meio era melhor só ver mesmo e todos comeram com o olhar direcionados a mim como quem diz "olha o que você fez" e eu respondi com o olhar "se não fossem vocês teria viajado esse ano" e todos nos viramos assim.

Quando a situação estava beirando a calamidade com as trocas de presentes fomos surpreendidos pelo discurso do homem da charrete de nome Pedro que em agradecimento a meu gesto me presenteou com seu porquinho Bernardino.

Fiquei realmente emocionado, não querendo aceitar, mas não pude responder, pois sumiu pela porta como um vento abusado.

Todos olharam para mim e Bernardino efusivamente. Mamãe se aproximou e declamou lindas palavras sobre amor,  humildade, amizade, bondade e tudo o que embala essa data festiva. Nesse instante, entre lágrimas e orgulho,  Dona Laurita aparece em nossa porta com uma enorme embalagem de doces.

Iniciamos a acreditar em Natal, até Dona Laurita esclarecer que a caixa que eu  trouxe era de outro cliente o qual a conta era três vezes maior que a nossa.

Olhei para mamãe que desfez a cara de canção natalina e peguei Bernardino  correndo assim para o ermo, pois nesse caso não sabia qual de nós dois iria para o forno primeiro.

TEDDY O COITADINHOOnde histórias criam vida. Descubra agora