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O dia estava tão cinzento como o seu humor, acabara de perder o seu avô querido, os presentes no funeral estavam mais interessados em aparecer nas capas das revistas do que com o defunto. Metade dos que compareceram ela nem reconhecia. Iria assegurar-se de que a irmã e os pais ficavam bem, rever alguns amigos e voltar o mais rápido possível para a Austrália, estar de volta tão cedo não estava nos seus planos, quando decidiu abandonar o país há dois anos jurara nunca mais voltar para ficar.

Dirigiu-se ao escritório do pai que um dia fora do seu avô e quando abriu a porta este estava a ser ocupado pelo seu pai e o seu amigo e confidente, se pudesse escolher preferiria nunca mais voltar a ver esse homem na vida dela. Olhou à sua volta e nem uma caneta estava fora de sítio, os sofás de couro castanho continuavam encostados à parede de lado da robusta secretária em madeira escura, as prateleiras cheias de livros e troféus mantinham-se intocáveis. E na parede de frente para ela estava o seu querido avô, a sorrir como sempre o conhecera.

- Leonor, querida ainda bem que aqui estás. Entra.

- Pai, Martim. É o dia do funeral do avô e vocês estão a tratar de negócios?

- Lamento, mas isto não pode esperar filha.

- Então se é assim tão importante deixo-vos à vontade.

- Espera, o que estamos a tratar diz-te respeito.

Leonor fechou a porta, mas não se afastou demasiado, precisava de ter uma saída rápida sempre perto dela.

- Sou toda ouvidos pai. O que se passa?

- Querida o que tenho para te dizer é delicado e complicado, promete-me que vais pensar antes de me dares uma resposta.

- Estás a deixar-me preocupada, diz de uma vez o que se passa.

- Bem, por certo sabes que o teu avô gostava de pregar partidas.

- É verdade que era um dos seus passatempos preferidos.

- Deixou uma no seu testamento, querida, e só tu me podes ajudar.

- Diz-me, eu ajudo no que precisares claro.

- O teu avô decidiu dividir as ações por todos os sócios de forma igual caso não te venhas a casar querida.

- Bem eventualmente casarei, suponho. Só tenho vinte e oito anos, mas sempre tive intenções de casar. Um dia.

O silêncio instalou-se no escritório abafado e escuro, Leonor não entendia o pedido do avô, nem fazia qualquer sentido, ele sabia o desejo que ela tinha de casar e constituir família. Não era propriamente um teste ao seu pai, nem lhe parecia muito vontade do avô querer perder a empresa familiar.

O pai tossiu quebrando assim o incómodo silêncio e aproximando-se da filha, pegou-lhe nas mãos e disse.

- Tens de casar antes dos vinte e nove Leonor, o teu avô deixou bem claro que se não houver casamento antes de teres vinte e nove anos perdemos tudo.

Ela não pode ter ouvido bem, o que o pai estava a dizer não podia ser verdade, ela nem tinha namorado, como é que podia casar de um dia para o outro.

- Mas isso é já daqui a duas semanas.

- Eu sei querida eu sei, e lamento mesmo muito, mas pensa bem antes de decidires. É o futuro da nossa família que está em jogo.

- Isto é ridículo, nem sequer preciso pensar pai. É inconcebível, como vou casar em tão pouco tempo? Ninguém casa tão rápido. Eu, eu preciso sair, preciso respirar.

- Leonor por favor.

Leonor saiu de rompante sem se aperceber que uns olhos pousavam sobre ela e ouviam tudo que ali se tinha falado. Na sua cabeça circulavam imagens de casamentos, do avô e da avó felizes, ela sempre dissera que queria um amor como o deles, e agora ele estava a negar-lhe essa oportunidade. Sentou-se na cama e abriu o livro de contos de fadas que avó lhe oferecera quando ainda mal sabia ler, todo aquele amor, com bruxas malvadas, vilões com castigos e heróis com finais felizes. Ela queria tudo isso, não aceitava menos, queria um homem que a amasse, que fosse capaz de arriscar a vida por ela, enfrentar o mundo se fosse preciso para a fazer feliz.

Quando abriu o livro tinha um envelope a ela direcionado, reconhecia a caligrafia como sendo a do seu avô. Avô Leonardo sempre com os seus truques.


Leonor, minha querida, se pegaste no livro da tua avó é porque estás a pensar no teu grande romance, e se estás a pensar nisso é porque o teu pai já te contou do meu testamento. Não me odeies, não penses que não quero que sejas feliz, minha querida. Eu quero que tenhas um grande amor, não mereces menos que isso. Não penses que te privo da hipótese de te apaixonares, eu desejo-te um amor tão bom e maravilhoso como o que eu tive com a tua avó. Querida neta já estás mais do que na idade de constituir família, casei com a tua idade e é isso mesmo que quero para ti. Apesar de não o ter especificado, apenas te exijo um casamento de um ano e um dia, aposto que o teu se regozija a pensar que foi uma lacuna que encontraram, rio só de imaginar a cara dele. Eu não quero que sejas infeliz minha querida, e se ao fim desse ano de casamento vocês decidirem seguir caminhos separados toda a minha herança será tua, não te preocupes com os teus pais e a tua irmã, eles não perderão nada, mas há muito que vejo como o teu pai gere o património e acho que uma mente como a tua seria mais do que bem vinda. Um ano de casamento convincente, nada de casamento apenas em papel, ninguém deverá saber que se trata de uma fachada ou estará tudo perdido e serás uma divorciada desnecessariamente. Encontra o amor minha querida, acredito que duas pessoas debaixo do mesmo teto são capazes de se amar. Casa com quem quiseres, nisso não me intrometo, no entanto sabe que faço isto por ti e pela tua felicidade. Eu apaixonei-me pela tua avó ao fim de um mês de casamento, e a partir desse momento conquistei-a todos os dias até ao seu último suspiro.

Confia no teu avô Leonardo querida, aceita casar e encontra o amor que mereces.

O teu avô que te ama.


- Como é que vou encontrar um noivo que venha a amar em duas semanas?

Leonor levantou-se, voltou a guardar a carta no livro e saiu para reencontrar o pai desta vez no salão rodeado de estranhos que vinham prestar as suas condolências. Um arrepio percorreu-lhe a coluna de cima a baixo, não, não podia ser, esta história de casamento ainda mal começara e já a estava a deixar maluca. 

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⏰ Last updated: Sep 28, 2018 ⏰

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