Triiiim...
O sinal para a troca de professores ressoa ao longo do corredor.
Meu coração bate cada vez mais rápido, como se eu estivesse em uma maratona. Minha respiração, agora ofegante, denuncia meu nervosismo para o que está por vir ou, então, um possível ataque do miocárdio, difícil dizer qual dos dois. Nunca me senti assim antes, nem depois do ocorrido com a Cler na festa, o que é bem estranho já que ela podia mesmo ter morrido e, nesse exato momento, o seu corpo poderia estar sendo levado de volta para a França. Isso me assusta um pouco mas eu também não me responsabilizo pelo o que aconteceu. Várias vezes eu tentei dizer,"Galera, eu sou gay. G-A-Y, GAY!" Não é a primeira vez que isso acontece comigo, na verdade, já tenho um histórico de momentos parecidos, a diferença é que em nenhum deles houve uma tentativa de homicídio. De uma forma ou outra, apesar de ter jurado nunca mais esconder isso, como aconteceu no Militar, está sendo bem difícil para mim demonstrar o que sinto. Quer dizer, é a primeira vez na vida que eu realmente acho que tenho amigos de verdade. É a primeira vez, mesmo com toda essa confusão ao meu redor, que eu posso ser eu e o fato de dizer, "Eu sou gay" é um pouco assustador. Se tenho medo? Gostaria muito de dizer que não.
Não é só medo da reação das pessoas, é medo de perder o que eu acabei de conquistar. Eu sei, não foi muito mas se comparado ao nada que sempre tive, equivale a um oásis no meio do deserto seco, árido e sem vida que representa muito bem o que passei nos últimos meses.
Meu coração acelera ainda mais. Minha perna direita sobe e desce repetidamente como um ato desesperado para aliviar a tensão.
Porque estou assim?
Prefiro não saber a resposta. Ou melhor, prefiro não admiti-la.
Após o toque, a sala virou um caos, o que me deixa ainda mais nervoso. Eu olho para os lados e a visão que tenho são de pessoas gritando, se batendo, jogando bolinhas de papel uns nos outros... Por exemplo, logo ali, no canto esquerdo da sala, um grupo de garotos, ainda desconhecidos para mim, se esmurram continuamente e riem disso. Já do outro lado, uma menina loira de tranças joga canetas aleatórias em outra à sua frente, como se fosse a coisa mais normal do mundo. Tudo isso me deixa irritado. Na verdade, eu acho que sou eu que ando sem paciência, principalmente depois daquela festa idiota. Por algum motivo, ela me afetou bem mais que deveria. Ou não, se levar em consideração que uma garota quase morreu...
- Incrível... - penso alto, revirando os olhos com desgosto.
- Gente...! - Vijära bate a mão no quadro e grita para chamar a atenção de todos - O Tomás tá vindo!
A passos rápidos, todos correm para os seus respectivos lugares. A sala fica em silêncio.
Abrindo a porta, Tomás nos cumprimenta, seco:
- Bom dia, turma - passa pela porta e me fita por alguns segundos - Bom dia, Carlos... - estremeço.
Meu coração pulsa cada vez mais rápido. Sigo-o com o olhar sem conseguir desviar, como se sua imagem fosse a única coisa que importasse. Nesse momento, parece que o mundo inteiro desapareceu, restando apenas nós dois. Já senti uma sensação parecida antes mas intensa dessa forma, nunca. Para piorar, isso o que estou sentindo é errado. Porra, ele é meu professor de Artes, não parece certo. Quer dizer, não é certo.
- O primeiro grupo já pode ir se organizando para apresentar - diz Tomás, interrompendo meus pensamentos ansiosos enquanto dirige-se para uma mesa no fundo da sala - Lembrando, quem eu ver conversando vai perder dois pontos da nota de trabalho...
- Que babaca! - cochicha um garoto ao meu lado.
- Eu ouvi isso, Mateus - anota em um caderno - Menos dois pontos pra você... - diz, cantarolando e se divertindo com a desgraça de seus alunos.
- Ah! Vai se fuder! - xinga Mateus, mais alto do que o necessário, fazendo a sala inteira se calar.
- Parabéns! Agora você está oficialmente com zero na nota - Tomás dá um sorriso sarcástico - Boa sorte para passar na minha matéria. Aliás, eu também vou ser o professor na recuperação, então se você continuar com gracinha pode ter certeza que eu estarei de braços abertos pra te receber no segundo anos mais uma vez.
A sala permanece quieta.
Quebrando a tensão que se instalou, Laura começa:
- Tudo pronto, professor. Falta só sincronizar o arquivo do celular pro projetor.
- Isso! Tá carregando, já já aparece aí... - diz Anna Flor, concentrada no seu celular.
- Não interessa, comecem logo. Eu não tenho tempo para ficar esperando a irresponsabilidade de vocês.
-Tudo bem, então... Am... Boa dia, gente - inicia Sophia, com um sorriso no rosto - Eu e o meu grupo vamos falar hoje sobre o abstracionismo de Wassily Kandisnky que foi um pintor russo, pioneiro do Movimento Abstracionista. Ele foi bastante influenciado pela pintura de Monet e pela música de Wagner, além de fazer apologia à força da cor em cada tela sua, no que chamou de o "teatro da cor" e outra coisa muito import...
Merda, merda, merda!
A sala inteira, antes em silêncio, agora está tão barulhenta quanto uma rua movimentada. Alguns riem, outros estão em choque mas todos falam da mesma coisa: da Cler sentada em cima de mim graças a uma imagem estampada na lousa da sala ao invés do que era para ser o trabalho. Os olhos de muitos varrem a sala a procura de quem seria o suposto pirata. Por alguma razão, todos ali estavam convictos de que a garota é a Cler, agora, eu? Bom, ainda bem que só o João Paulo e a Bella sabem da minha fantasia.
Será que eles falariam alguma coisa? Não... Com certeza eles não fariam isso comigo.
- Galera! O pirata é o Carlos! - grita João Paulo, gargalhando, do outro lado da classe e a balbúrdia aumenta.
Sério?
Minhas bochechas coram.
Acredite, eu daria tudo para ficar invisível. As pessoas ao meu redor me olham, falam sobre mim, sobre a foto, especulam e acham graça. Já imaginei tudo de ruim que poderia acontecer comigo, mas isso? Não, isso nunca! Para começar que nem sabia da existência dessa foto e muito menos que alguém a teria batido. Além de exposto, estou me sentindo o próprio palhaço, o que é ridículo porque eu odeio palhaços. Ou talvez não seja assim tão ridículo, talvez eu me odeie mesmo.
- Chega! - grita Tomás, levantando-se - Tirem já essa foto daí!
O professor de Artes, com o rosto vermelho, aparenta frustração ao massagear o cenho com a ponta dos dedos. Por conta do seu grito, a sala silencia novamente e a mesma tensão de antes volta. Parado em pé, com a cabeça apoiada em uma das mãos e a outra na cintura, continua:
- O grupo inteiro para a coordenação - ordena - E você também, Carlos.
- Quê? Mas a gente não fez nada - protesta Sophia, com ódio - Se tem alguém nessa sala que de fato fez alguma coisa, esse alguém é o Carlos e não nós... - diz, apontando com o dedo indicador para todo o grupo.
- Ótimo! Então vocês todas vão lá na Isabel dizer o que o Carlos fez ou deixou de fazer. Problema resolvido - diz Tomás - E pelo amor de Deus, alguém tira logo essa pornografia daí!
Sentando-se pesadamente na cadeira, Tomás crava seus profundos olhos negros nos meus. Envergonhado, apenas desvio o olhar esperando não ter que aguentar os seus julgamentos e levanto-me.
O que a Sophia quis dizer com, "Se tem alguém nessa sala que de fato fez alguma coisa, esse alguém é o Carlos"?
Bom, agora não importa, eu tenho que lidar com uma coisa bem mais séria que isso: minha primeira encrenca na nova escola. O que me deixa chateado é que eu mesmo nem fiz nada, eu não tenho culpa se aquela bendita foto foi parar na lousa da sala, foto essa que até então eu nem sabia que existia. Tudo isso é uma completa injustiça mas o que eu posso fazer, né?! Já foi, está na hora de tomar as consequências dos meus não atos.
- Ai! - a Sophia dá um esbarrão em mim, de propósito, e eu reclamo.
Fora da sala, no corredor, encarando-me como se eu fosse uma presa pestes a ser comida, Sophia, com um profundo tom ameaçador na voz, diz:
- O que? Vai me jogar da escada também?
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Crônicas De Um Amor Proibido
RomansaApós se meter numa briga no Colégio Militar, Carlos, expulso, decide ir para uma nova escola e, logo no primeiro dia, conhece alguém que foi capaz de mexer com os alicerces do seu coração: Tomás Ribeiro, professor enigmático de Artes, PhD em deboch...