Corro a janela para cima e observo a rua repleta de neve certificando-me de que não existe ninguém da vizinhança a espreitar cada passo meu — está vazia. As luzes iluminam o alcatrão húmido enquanto o céu escuro e vazio não o faz.
Pego na minha mochila pondo-a nas minhas costas e, cautelosamente passo as minhas pernas para o parapeito da janela apoiando as minhas mãos de cada lado das minhas ancas, sentando-me. Olho para baixo medindo as consequências que poderiam surgir se saltasse mas sem medos, ainda que trémula, deslizo sentindo o ar fresco congelar a minha pele à medida que o meu corpo cai livremente até ao relvado coberto de branco. Os meus pés assentam no chão seguramente, provocando um pequeno som e rapidamente corro para o outro lado da estrada silenciosamente.
Sinto-me livre mas consciente de que esta é a pior loucura que eu já cometi em toda a minha vida. Tento ignorar esse pensamento uma vez que o meu objectivo é procurar o meu próprio caminho sem ter alguém a dilacerar a minha liberdade.
Olho uma última vez para trás, observando a casa amarela que eu sei, ou espero, que seja a última vez que a venha a ver tendo em conta que existem muitas memórias que eu quero esquecer completamente. As cortinas corridas do meu quarto voam com o vento a correr dentro da escuridão daquela divisão, enquanto eu estou definitivamente a deixar o meu abrigo. A casa onde passei dezassete anos. Sinto-me realizada. Sorrio pelo canto da boca e abandono aquela rua.
Indecifrávelmente, entro numa floresta sabendo que aqui as probabilidades de ser apanhada são menores. Está escuro e o facto das árvores serem altíssimas não ajuda nada e oculta a luz da lua. Os pequenos ramos partem-se com a pressão dos meus pés sobre eles. As folhas a serem amarrotadas e o abanar das árvores são os sons da Natureza presentes e de algum modo é relaxante. Consigo ouvir os carros a arrastarem-se pela estrada a uns metros de mim e por momentos penso em caminhar por lá pelo simples facto de que assim não me cansaria tanto, mas enxoto essa ideia da minha cabeça. Caminhar pela estrada seria o "fim" do meu escape.
O ar começa a ficar mais frio. A neve apega-se às minhas botas e aos meus cabelos. As minhas veias contraem-se, deixando as minhas mãos geladas e quase imóveis para fazer qualquer coisa que fosse. Tenho de encontrar algum sítio para que me possa aquecer e de preferência onde as probabilidades de ser encontrada sejam menores.
Uma carrinha escolar esconde-se no meio de várias árvores. A tinta amarela é quase escassa e agora é praticamente branco o seu topo. Olho em volta certificando-me novamente se há alguém. Sinto um peso nos ombros por saber que agora sou uma adolescente fugitiva. Pergunto-me como esta carrinha terá vindo parar aqui.
Caminho lentamente até lá ouvindo o mesmo som dos paus a partir. O som das rodas é quase escasso. Agora é apenas os sons da Natureza e de algum modo é assustador e intimidante saber que estou sozinha e que se aparecer alguém, não saberei como me proteger ou até mesmo para que lado fugir.Afasto os cabelos do meu rosto gelado e inspiro lufadas de ar na esperança de encontrar a coragem que quase não se faz ouvir dentro de mim. Acabo por entrar. Subo as escadas lentamente. Uma a uma. O interior da carrinha é escuro. Os meus pulmões são invadidos por um cheiro a mofo e, como se tivesse acabado de fumar, não evito tossir. Os bancos estão esfarrapados e o chão range sob os meus pés. Isto até pode ser melhor do que parece. Imaginava a minha primeira noite em cima de uma árvore, tal como Katniss, na saga de Hunger Games, ou no meio de um conjunto de folhas mas nada disso se pode comparar a isto.
Tiro a lanterna da minha mala, sem a pousar em lado nenhum e ligo-a. A luz ilumina tudo à minha volta e é aqui que me apercebo das dimensões desta carrinha. É enorme. Faz lembrar a carrinha da minha escola, com a diferença de que esta está em piores condições. As recordações são imensas - boas e más. Relembrá-las, uma a uma, é fantástico e dou por mim a sorrir por longos momento. Tenho a perfeita noção que estar a fugir de casa e de tudo, irá causar um grande impacto na minha vida, nos meus amigos, na minha família ou na minha rotina. Mas isto é o que eu quero e preciso. Sou ignorada por todos, tirando alguns amigos mas até eles conseguiam ser falsos para mim e chegou o dia em que percebi que mereço mais. Percebi que preciso de gente em quem possa confiar. Percebi que a minha rotina não é exactamente o que pretendo para a minha vida. Percebi que não posso chamar de ''amigo'' todos aqueles que me fazem sentir na obrigação de ser alguém que não sou só para que gostem de mim.
Inspiro fundo empurrando a vontade de verter lágrimas para trás.
Aventuro-me a bisbilhotar tudo o que vejo à minha volta - colares, fotos, tampas de canetas, espinhos, folhas e até mesmo teias. Ao sentar-me num banco, sinto a maneira com que ele se afunda de uma forma exagerada. Levanto-me e lentamente puxo o banco com alguma força para cima e, num estrondo arranco o assento. O facto de toda esta carrinha estar a desmurunar-se ajuda bastante nesta tarefa. Espeto a luz da lanterna para dentro do assento e uma mala azul e branca é tudo o que vejo. Agarro a lanterna com a boca, corro o fecho, abrindo a mala e o meu sorriso faz-se notar ao ver tudo o que procuro - comida. Como é possível ter pacotes de bolachas numa carrinha abandonada? Estará alguém a viver aqui? Estará alguém a ver-me? Estarei eu em sarilhos?
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Breathe
RomanceKiara Cooper, uma adolescênte de 17 anos, que apesar da sua ingenuidade, sente-se demasiado presa à sua forma de ser a que foi estipulada e à falta de liberdade para exprimir as suas próprias opiniões. Acaba por fugir de casa numa noite de Inverno...