- Primeiro que tudo quero que saibas que o que te vou contar pertence ao meu passado. Já não faz parte do meu "eu" de agora. - profiro um simples "okey" - fiz coisas muito más, a muita gente. Consumia muita merda e andava rodeado de malta "da pesada" e isso motivava-me a fazer coisas de que não me orgulho. Não tinha respeito por ninguém, não só de forma verbal... Dormia com quem me apetecia e... depois nunca mais me punham a vista em cima e se isso acontecesse elas confrontavam-me e eu desculpava-me dizendo que se elas não fossem umas... tal não teria acontecido. Eu tratava-as mesmo muito mal.
- Batias-lhes? - em choque, apenas consigo perguntar isto.
- Não! - diz rapidamente - nunca bati numa mulher Kiara! Nunca! Apesar dos meus "amigos" o fazerem, eu nunca o fiz. Mas já me envolvi em diversas lutas com gajos. Fui parar ao hospital umas quantas vezes. Cheguei mesmo a estar entre a vida e a morte uma vez.
- Porquê? - pergunto tentando disfarçar o quão incrédula estou, deixando apenas a minha expressão facial falar por si.
- Lutas... Eu amava sentir o sabor do sangue a palpitar na minha boca enquanto provocava a mesma sensação em outro alguém mas, uma vez não medimos as consequências e entusiasmamos-nos um pouco mais e também já tinhamos muita merda inalada no cérebro. Depois de nos embrulharmos de uma forma super violenta ainda estávamos frescos para uma corrida de carros e, como deves estar a imaginar, correu mal... Perdi o controlo do carro devido às distorções que o meu cérebro me depositava à frente e acabei por ficar com o carro capotado junto de um penhasco. O pessoal com quem eu estava assistiu a tudo mas estávamos em demasiado mau estado e só me lembro de vê-los a bazar enquanto se riam e depois disso apenas senti os meus olhos a fecharem e... - baixa a cabeça ao relembrar-se de tudo - só me lembro de acordar num hospital sem ninguém para me apoiar e, foi quando percebi que estava sozinho. Não tinha um único amigo. Não tinha ninguém para quem eu fosse realmente importante, mas eu era demasiado orgulhoso para assumir que isso me fazia falta e foi então que tudo piorou.
- Piorou? Já não estavas mal o suficiente?
- Para mim ainda nem tinha sequer começado. Comecei a destruir várias vidas e hoje tenho noção de que não mereço o perdão daquelas pessoas mas... no momento eu só queria passar a minha frustração para o mundo físico. Comecei a tratar tudo como meros meios para o meu único fim: Não me permitir assumir que precisava de alguém na minha vida. Os meus pais sempre tiveram vergonha de mim por, como eu te contei, não querer ser nenhum médico ou qualquer coisa assim mas nunca lhes contei o que realmente gostava de fazer até porque nessa altura nem eu próprio sabia o que queria. Eles não me amavam, eu sentia-me um erro, um fardo, e comecei então a dar-me com pessoal que me fazia sentir alguém, apesar de hoje ter noção de que só me queriam para assumir as merdas que eles inventavam. Tanto o meu pai como a minha mãe chegavam a não saber de mim durante meses, acabavam só por me encontrar na esquadra uns tempos depois. Era aí que eles fingiam ser umas pessoas preocupadas com o seu único filho perante as autoridades. Eu tinha-lhes nojo. A presença deles causava-me raiva, vontade de partir tudo aquilo que me aparecia à frente. Nunca levantei a mão à minha mãe porque, para além de ser mulher e de eu ser incapaz de levantar a mão a alguma, sei que ela não gostava do facto de não sermos próximos nem gostava de me ver arruinar a minha vida. Via-lhe o sofrimento estampado na cara de cada uma das vezes em que me vinham buscar. Mas eu não conseguia suportar o facto dela ser fraca ao ponto de não se impor ao meu pai. Ela preferia continuar a ver-me na merda e deixar que o meu pai controlasse a sua vida do que tomar uma atitude e manifestar as suas decisões e vontades, incluindo o defender-me das agressões do meu pai. Isso revoltava-me e era por isso que sentia raiva dela também. Em relação ao meu pai... agredimos-nos algumas vezes. - não profiro palavra. Não tenho força para fazê-lo. Nunca seria capaz de imaginar um passado assim para o Harley. - Foi também por causa dele que fui parar ao hospital algumas das vezes. Ele tinha prazer em tratar mal a minha mãe à minha frente. Arrancava-lhe o telemóvel da mão para o ver, fazia-a sentir-se inferior, etc. Ela era a pessoa mais importante para mim mas nem ela nem eu o sabia-mos. Só o meu pai percebeu. Percebeu que esse era um dos meus pontos fracos.
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Breathe
RomanceKiara Cooper, uma adolescênte de 17 anos, que apesar da sua ingenuidade, sente-se demasiado presa à sua forma de ser a que foi estipulada e à falta de liberdade para exprimir as suas próprias opiniões. Acaba por fugir de casa numa noite de Inverno...