Breathe - 4º capítulo

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Passaram algumas horas desde que vi o Harley partir, de costas voltadas, na direcção oposta a que eu tomei. Foi a decisão certa, tenho consciência disso. Não posso permitir sentir-me novamente dependente de alguém para mais tarde ser deixada para trás por ser um peso.  

Caminho, sozinha, por dentro da mata alojada mesmo do lado esquerdo da estrada. Não sei para onde vou mas espero encontrar algum sitio onde possa permanecer ate decidir o que fazer. A minha vida passa agora por deambular pelas ruas frias e cheias ate encontrar a famosa academia de dança com que tanto sonho. Tenho esse sonho desde que me conheço. Ser bailarina. É um mundo difícil, tanto para chegar lá como dentro do meio. Mas mesmo assim eu quero responsabilizar-me pelas consequências disso, e tenho noção que dentro desta área, as injustiças são grandes e não é apenas um simples ''não'' que dita o nosso valor ou qualidade.


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Sinto-me a andar por cima de carne moída. É nesse estado que os meus pés devem estar. Encosto-me a uma árvore, de costas, deixando a mochila escorregar pelo meu braço esquerdo ate ao chão. Fecho os olhos enquanto as minhas pernas cedem, fazendo com que o meu corpo escorregue livremente ate ao chão coberto de terra e folhas secas. 

"Por onde estará o Harley agora a passar?" "O que estará ele a fazer agora?" "Será que já deu pela minha falta?" "Será que arranjou uma nova companhia?"

Apanho o meu cérebro perdido com frases deste género e sacudo a cabeça de maneira a livrar-me delas. Tento convencer-me de que foi o melhor a fazer e de que não sentirei mais a sua falta daqui a umas horas mas, quem é que eu estou a querer enganar? Caramba, porque sinto eu a sua falta desta forma? Será por estar a sentir o medo a chegar? Será por ele ter sido o único a quem contei o que sentia? Será por sentir nele um apoio que me entende nesta ''fuga''? Não, não, não é nada disso. É simplesmente por me sentir sozinha, tal como quando saí de casa, é normalíssimo e vai acabar por passar.


***


Abro os meus olhos depois de um pequeno repouso de pestanas. Obrigo o meu corpo a sair do chão. A minha cabeça implora por respostas. Aquelas que nunca conseguirei dar uma resposta. Porque não fiquei com o número dele ou com algo com que possa voltar a contacta-lo? Caminho de mala às costas, ao longo da rua, aquela que parece não ter fim, quando os meus pés me obrigam a parar. ''O que estás tu a fazer Kiara? Porque estás tu a afastar aquele que sofreu da mesma falta de afecto e atenção que tu? Porque estás a afastar aquele que te faz sentir bem? A única pessoa que mostrou alguma empatia por ti de uma forma verdadeira?''. É isso! Não posso continuar em frente sem ele. Não posso deixar fugir aquele que me ofereceu algum tipo de protecção sem algo em troca. 

Viro na direcção oposta à que decidi tomar e apresso os meus pés, acelerando a minha respiração. Sigo agora o caminho já marcado pelas minhas pegadas. Passam agora 6 horas desde que o vi. Provavelmente já nem perto daqui está mas insisto em  percorrer o caminho tomado por mim antes de o deixar. Chego ao local onde anunciei a minha má escolha. Nem um sinal do Harley. O que fiz eu? Apresso-me a deixar escorrer o meu corpo até ao chão, ficando apoiada nos meus joelhos, colados à superfície irregular coberta de folhas e terra. Não adianta. Ele foi-se. Graças a mim. Sinto os meus olhos a ficarem cada vez mais tensos e preenchidos. Não aguento as lágrimas frias e liberto-as. Até estas querem fugir de mim. Neste momento até eu fugia de mim se pudesse. Faço pressão na minha cara com toda a força tentando esconder a frustração que sinto neste momento, quando oiço uma voz.

- Kiara? 

Neste momento, era capaz de reconhecer esta voz da lua se preciso. Retiro as mão da cara fazendo com que esta ganhe forma e se recomponha. Levanto o rosto à medida que vou conseguindo ver o seu corpo. Primeiro os seus pés, depois as suas longas pernas, passando então para o tronco largo e por fim para a sua face. Ele.

- Harley! Ainda estás aqui! - apresso-me a juntar as minhas forças e ergo o meu tronco em direcção ao dele. Quente como da última vez que lhe toquei. Um conforto súbito invade o meu corpo assim que sinto os seus braços apertarem-me contra a sua composição genética. Não evito um pequeno e discreto sorriso enquanto que, de olhos fechados, sinto a sua respiração profunda junto do meu pescoço.

- Porque voltaste? 

- Porque ficaste?

Perguntamos em coro. Desembrulho-me de si, perdendo todo o conforto até agora adquirido, e retomo a pergunta.

- Não sei. Tinha esperança de que voltasses... - ele baixa a cabeça erguendo depois os olhos na minha direcção. 

- Porquê? Porque acreditaste nisso?

- Porque...senti a tua falta assim que foste embora.

- Desculpa! - sinto de novo a tensão nos meus olhos - desculpa não ter percebido logo. Achei que estava a fazer o melhor mas...acabo sempre  por me magoar a mim própria! - a pedra cinzenta situada a meu lado colada ao chão, toma agora o meu olhar.

- Não quero que peças desculpa, muito menos a mim. Promete-me só que nunca mais desapareces da minha vista?

Fixo os seus olhos verdes. Penetrantes. Recheados de tristeza e mágoa. 

- Prometo! - digo sem deixar de o olhar, quase que hipnotizada pela carga que os seus olhos transportam.

Ele aproxima-se de mim. Paço a paço. Sem nunca deixar de se alimentar da minha alma através dos seus olhos postos nos meus. Sinto-me mais pequena a cada metro que se encurta de nós. Estamos agora a menos de um metro de distância. As mãos dele vão em direcção à minha pele facial. Assim que entram em contacto com o meu rosto, sou projectada para um mundo onde o tempo necessitou de parar, fazendo com que apenas as folhas voem à nossa volta formando um círculo perfeito. Apenas ele e eu. Eu e ele. Ele inclina a sua face para a minha fazendo com que a sua testa venha ao encontro da minha. 

- Não me tires a única felicidade que tenho ao fim de todos estes anos, promete-me isto por favor!

- Prometo. - Ele solta um pequeno sorriso enquanto solta parte da sua respiração. Que mais poderia eu dizer perante isto? É a minha vez de fazer um pedido. - Promete-me que se algum dia sentires que estou a mais na tua vida...

- Nunca! Nunca estarás a mais na minha vida! A minha vida apenas começou agora e tu estavas lá quando ela começou por isso fazes e farás sempre parte disso!

- Prometes? - pergunto enquanto pressiono as suas mãos na minha cara levemente, mantendo as nossas cabeças coladas.

-Prometo. 

O Harley puxa-me para junto do seu corpo e eu afundo-me nele. Cada vez mais nele.

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