Breathe - 8ºcapítulo

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Entro no barracão, ainda medindo o peso das consequências. Tenho medo do que possa vir a descobrir. É um erro apergarmo-nos a alguém tão rapidamente mas a verdade é que já não consigo imaginar os meus dias sem ele. Sem a imagem dele ou sem a sua voz doce e arrastada.

Escuro é como encontro a antiga casa. Tento não retrair o meu corpo de forma a conseguir mover os meus pés de forma firme mas, nem estes consigo ver de maneira nítida. Sinto algo a aproximar-se. Não consigo ver o que é, apenas sinto a energia pesada que me rodeia o corpo. Finalmente ouço a voz porque tanto esperava.

 - Tu? - ouço a voz do moreno bem junto do meu ouvido. - sozinha, estou a ver. - cada vez mais perto. - será que posso saber o que te trás aqui outra vez?

Não respondo. Rodo o meu corpo em todas as direcções na expectativa de ver algum ponto de luz. Desisto da tentativa e acabo por falar. 

 - De onde é que conheces o Harley? - tento ir directamente ao que me inquieta.

 - Então é sobre ele que queres falar, ãn? Logo vi. - ouço, por fim, o clicar de um botão e, simultâneamente sinto a minha cara a iluminar-se de uma luz proveniente do teto alto e largo que cobre todo o barracão. - Kiara, eu acho que é melhor falarmos um pouco de ti, afinal ainda não tivemos tempo para nos conhecermos! - um sorriso luminoso ressalta da sua cara redonda e nem isso me faz esquecer o facto deste estranho, para além de conhecer o Harley, ser capaz de despoletar neste o seu lado menos pacífico. 

 - Já conheces o suficiente, tendo em conta que sabes o meu nome! - tento manter-me firme.

 - Muito bem - leva uma das suas mãos ao nariz esfregando-o, rapidamente, escondendo assim o seu pequeno sorriso. - eu explico-te como conheço o Harley na condição de aceitares beber um copo comigo, que tal?

 - Eu não bebo...

 - Não bebes? - fita-me com um olhar intrigado. Apenas nego com a cabeça. - okey... já começo a saber mais sobre ti! Vês não é assim tão difícil, Kiara - engulo em seco, ainda questionando como é que ele chegou ao meu nome. Terá sido o Harley? Será que ele lhe falou de mim? O que terá falado e porquê?

O moreno faz-me sinal com a mão para o seguir e eu obedeço. Encontramos-nos agora noutra dimensão do barracão, igualmente escura e completamente desarrumada. Facilmente percebo que se trata de uma cozinha. Ao de leve, encosto o meu corpo contra uma bancada preta, enquanto observo o estranho tirar uma cerveja do frigorífico e engoli-la em menos de três simples segundos. Ele projecta a garrafa para o caixote pequeno e cheio situado do lado do frigorífico branco-leite.

 - Harley, Harley, Harley... - começa por soltar da sua boca - Kiara, se existe uma coisa de que te posso garantir, é que o Harley não é quem tu pensas. A figura com quem andas é um mentiroso a tentar ser alguém que não é. Está-lhe no sangue.

  - Como assim? - aperto com força a bancada preta onde me encosto. Receio a resposta mas preciso de saber.

 - O Harley contou-te o que fazia? Contou-te que de dois em dois dias era levado pela polícia? O Harley não é, nem de longe, o rapaz com quem deves sonhar, Kiara!

 - Eu já sabia disso... Ele contou-me algumas das coisas que fez no seu passado...

 - Passado? Lamento desiludir-te mas o Harley não abandonou o seu passado. O Harley é e sempre será o seu passado. - aproxima-se do meu corpo agora colado à bancada gasta. - se queres um conselho, afasta-te do Harley enquanto podes!

 - Kiara! - um grito ecoa da sala cortando de imediato o ambiente confuso de à três segundos atrás. Poderia até dizer que aquela voz pertence ao...

- Harley! - ele entra pela cozinha dentro e, contrariamente ao que imaginava, o seu foco não sou eu mas sim o moreno. Este é projectado contra o frigorífico, originando uma queda da jarra branca situada antes por cima deste. O chão é atingido pelos cacos brancos ficando coberto de pequenos vidros.

 - O que é que lhe disseste? - o Harley grita apertando ainda mais as suas mãos no peito do moreno.

 - Harley, pára! - grito enquanto puxo o braço do Harley, numa tentativa de alívio para o moreno. - pára Harley, por favor! - o Harley pousa os seu olhos nos meus e acaba por soltar o moreno, olhando uma última vez para ele com uma mistura de raiva e desprezo no olhar.

 - O que é que ele te disse, Kiara? Por favor diz-me! - o seu corpo move-se para trás e para a frente enquanto esfrega a sua cabeça com as duas mãos, nunca abandonando os meus olhos. Os seus olhos verdes, estão agora carregados de medo e desespero.

 - Nada. - o moreno adianta-se. - ainda não lhe disse nada. - o moreno sorri na direcção do rapaz furioso que tenho mesmo à minha frente.

O Harley prepara-se para saltar para cima do estranho de cabelos castanho-chocolate, quando o impeço. - Harley, por favor! - ele despeja o seu olhar na minha direcção.

 - Anda, vamos! Já estivemos tempo demais aqui dentro. - agarra na minha mão de forma suave mas firme e, puxa-me dali. Como eu gostava de sentir a sua mão na minha, sem medos, sem segredos, sem mistérios ou passados sombrios. Só a minha na dele. Só a dele na minha.

Saídos agora do barracão, retiro a minha mão da sua. Preciso que ele saiba que não tem controlo em mim de forma nenhuma, nem mesmo para me retirar de um barracão logo no momento em que estava prestes a descobrir algumas respostas às minhas diversas perguntas.

  - Harley, porque é que me tiraste dali sem eu ter dito que podias? Ou melhor, o que te fez pensar que eu queria que viesses ter aqui? - pergunto  mostrando insatisfação na minha voz aguda e baixa.

 - Kiara, eu pensei que precisasses de espaço para pensar e não para te vires meter numa casa com aquele gajo! Tu não o conheces! Ele é perigoso. Eu sei bem do que falo.

 - Como? Como é que sabes que ele é perigoso? Diz-me Harley! - solto os braços deixando-os cair sobre as minhas pernas. A minha cabeça inclina-se para um dos meus lados, também ela cansada. Cansada de passados e futuros por descobrir.

 - É uma longa história... - ele desvia o olhar para um dos lados da rua. O seu corpo imita o movimento. 

 - Eu tenho tempo! - cruzo os braços.

 - Não interessa, porra! - um grito dispara da sua boca como se de uma seta se tratasse. Seta essa vinda directamente ao meu encontro. Sinto a minha boca entreabrir-se e os meus olhos a cobrirem-se de gotas pesadas, implorando por liberdade. Triste, magoada, são apenas dois dos diversos sentimentos que percorrem todo o meu corpo neste momento.

 - Desculpa, Kiara, desculpa! - tenta agarrar a minha cara com as suas duas mãos mas, num movimento brusco, enxoto-as para longe de mim. - não, Kiara, não me afastes, por favor! Eu estou só preocupado contigo, desculpa! - um tom de desespero e arrependimento sai da sua boca. O Harley tenta alcançar-me novamente mas dou um passo para trás, evitando-o.

 - Preocupado? - simulo um pequeno sorriso. - isso ajudou-me imenso, sem dúvida... - ele murmura um "desculpa" enquanto esfrega a nuca. - Não é comigo que tens de te preocupar...é contigo! - digo fracamente, deixando uma gota deslizar até ao fim da minha bochecha.

 - Kiara, por favor, não chores! - preocupado, aproxima-se de mim tentando roubar a minha lágrima fria. Desvio a cara afastando-me dele, fazendo rota de volta à mata onde dormimos. - vais onde? Kiara, por favor! - o Harley prepara-se para me seguir.

 - E escusas de vir atrás de mim, só vais piorar tudo se o fizeres. - sou assertiva...acho. Ele fica para trás, esfregando a nuca com as suas mãos suaves.

Não mereço que ele me fale assim. Quem é que ele pensa que eu sou? Mais uma das raparigas para quem ele falava mal? Engana-se. Não permitirei que me trate dessa forma. Não foi para isto que fugi de casa. Não mesmo!



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