VIII

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- Ah vamos! Vai ser legal!

A voz da Maria irrompeu no meu tímpano em uma mistura manhosa e chata.

Acho que ela nunca usou uma voz tão aguda antes.

- Quantas vezes tenho que dizer que não sou a pessoa certa? - repeti pela milésima vez.

- Você é a pessoa ideal! - ela exclamou - é minha melhor amiga, sabe cuidar de mim, sabe se cuidar sozinha...

- Também sei que é melhor ficar em casa estudando. - respondi seca.

- Droga Gabi! Você tem que parar de ser anti-social! É só uma festa. - ela reclamou.

- Exatamente! Uma festa. E eu com toda a certeza do mundo não sou o tipo de garota que vai a festas. - falei apertando o celular contra a orelha.

- Esse é o problema. Você nunca experimenta algo novo. Só sabe estudar, estudar e estudar! O enem é só daqui a dois anos e você já está na fila. - ela falou nitidamente sem paciência.

- O que o enem tem haver com isso?

- Só usei ele de exemplo. Estou querendo dizer que você se planeja demais. Será que não dá pra, uma única vez na vida, você ir à uma festa de sexta a noite, beber um pouco e ser uma adolescente normal?!

Respirei fundo, ponderando se desligava na cara dela e me fingia de morta pelo resto do mês, ou se aceitava a proposta para poder calar a boca daquela garota irritante.

Suspirei, com ar de derrota.

- Que horas era a festa mesmo?

Ouvi gritos e pulos do outro lado da linha. Provavelmente a Maria estava pulando sobre a cama enquanto berrava de alegria.

Um ruído se estendeu e uma porta bateu. Logo ela voltou.

- Ei Gabi, ainda está aí?

- Sim, e pode me dizer o que houve aí? - perguntei contendo a risada da cena em que a imaginei caindo no chão.

- Nada de mais, só o Arthur enchendo a droga do saco! - ela gritou do nome dele para frente, provavelmente querendo que o irmão escutasse - bem, o que você tinha perguntado antes mesmo?

- O horário da festa.

- Ah sim! - ela falou entusiasmada - começa lá pelas nove. Nós podemos ir nove e meia para não ficarmos sozinhas. É lá no mirante.

Bufei. Mas tinha que ser no mirante?

O Almirante Jeffrey é um restaurante na beira da praia, o lugar sempre lota a noite. O nome "mirante" vem do restaurante, que deixou conhecida a praia onde se encontra.

O fato de ser perto de casa pode ser bom e ruim ao mesmo tempo. É bom pois caso algo dê errado eu posso sair correndo e voltar para a casa. É ruim pois meus pais podem ouvir algo, ou pior, me ver.

Mesmo assim fiquei meio feliz. A praia em si não era cheia de adolescentes, até porque lá era um lugar mais familiar. O mirante não era conhecido por festas grandes cheias de drogas e álcool, o que é perfeito para mim.

Percebi que a Maria ainda estava na linha e voltei a falar com ela.

- Passe aqui em casa as nove e meia.

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"Droga Maria, cadê você?", pensei enquanto me encolhia ainda mais, penando em desistir.

Já era mais de nove e quarenta, e ela não tinha dado nem sinal de vida.

Talvez aquilo fosse bom, afinal se ela não aparecesse eu não teria que ir.

De Longe Até Parece Que Somos Um CasalOnde histórias criam vida. Descubra agora