- Pois é, ele foi expulso. Ah, e lembra de agradecer o seu pai, provavelmente meus pais vão aí fazer isso mas por via das dúvidas né?
Me deitei sobre a cama ainda com o meu recém devolvido celular (obrigada Karine!) contra a orelha, enquanto ouvia o que tinha acontecido com o Arthur depois que ele foi pra coordenação.
- Agradecer pelo que?
- O Arthur ia ser preso por agressão, mas como o seu pai, graças a Deus, tava trabalhando quando isso aconteceu ele mexeu uns pauzinhos e ajudou meu irmão.
- Ah é... - suspirei lembrando o quanto o meu pai tinha odiado fazer isso.
O meu pai, um ignorante de carteirinha, odiava qualquer tipo de pessoa que usava drogas, e ele sabia que o Arthur fumava maconha. Ele também era contra garotos de brinco, coisa que o Arthur tem, e não gostava nada de quem não leva os estudos a sério, outra característica marcante de Arthur Costa Pazê.
Ele só fez isso porque é muito amigo do pai da Maria, que vende uns móveis baratinhos pra ele, e também porque os pais da Maria e a própria Maria já eram da família.
- Mesmo assim ele ainda vai responder ao processo que os pais do Rafael estão fazendo contra nós. - a Maria continuou.
- Fica tranquila, é só tentar fazer um acordo. Os pais do Rafael não são o tipo que processam alguém.
- Eh, pode até ser.
- E onde o Arthur vai estudar agora? - lancei a pergunta que eu estava segurado para fazer desde o início da conversa.
- Provavelmente no Nacional. Se eles aceitarem ele lá, claro. Mas de todo jeito só faltam mais quatro meses de aula, daqui a pouco ele se forma e a gente fica longe dessa confusão ambulante que ele é.
Soltei uma risada e me espreguicei sobre a cama. Olhei para o teto cheio de estrelinhas florescentes que o meu pai tinha colado lá quando eu ainda era criança e quis chorar outra vez.
Aquele dia tinha sido tão turbulento, eu tinha passado por tantas coisas e ainda eram só sete e meia. Tudo o que eu desejei foi acordar num outro dia, num outro lugar, sendo outro alguém.
- Maria, eu vou ter que desligar porque tenho que estudar pras provas. Amanhã a gente se fala.
------
Me sentei na cadeira verde-água dura como uma pedra (afinal era de madeira) e escorreguei nela até quase cair no chão.
Ô aulinha chata era a de gramática viu? Deus me livre!
O Cássio, nosso professor, estava lá na frente explicando um esquema de adjuntos adverbiais com objetos do sujeito e não sei mais o que, mas tudo o que eu queria era morrer ali estirada no chão.
Olhei ao redor. Do meu lado estava a Geo, uma ótima companhia para aulas menos exigentes, em frente à mesa do professor a Maria era aprisionada, na terceira cadeira da fila ao lado da dela a Ana dormia, atrás dela o João Paulo e por fim, na última cadeira da fileira ao lado da porta a Fernanda se mantinha lendo um romance do John Green.
Olhei para o quadro mas tudo o que fez sentido para mim foi o dia e o mês escritos no canto superior direito. Finalmente eu peguei meu caderno comecei a copiar aquilo, mesmo não tenho a menor idéia do que significava.
Depois que essa aula acabou eu ainda tive que aguentar uma aula insuportável de artes para finalmente chegar na de música, que como eu gostava de chamar, era uma aula vaga, afinal tudo o que a gente fazia era formar uma rodinha com as cadeiras e ouvir o professor tocar, ou falar sobre a própria vida, ou reclamar do governo. Nada importante.
O que a aula de música tinha conseguido me animar o recreio arrancou de mim completamente quando a sexta pessoa em apenas quinze minutos veio perguntar pra nós o que tinha acontecido com o Arthur.
Havia rumores de todo tipo, contra ele e contra nós, mas diferente das outra meninas eu não dava a mínima para nenhum deles, assim como não dava a mínima para os babacas que estavam os espalhando. Eu queria mais era que todo mundo fosse a merda.
Eu não queria pensar no Arthur (isso era impossível) porque nada daquilo teria acontecido se não fosse por ele. Também não queria pensar na festa e muito menos no dia anterior, quando eu vi um garoto ensanguentado no chão e um outro em cima dele o espancando. Tudo o que eu queria era respirar fundo e esquecer que o mundo era um lugar tão ruim.
Mas foi na aula de redação que as minhas esperanças de fazer isso foram pelo ralo.
- Alunos? - Denise a professora chamou - tenho um trabalho. Eu sei que a maioria de vocês não gostam de escrever, então pensei em um trabalho diferente nesse bimestre, valendo a metade da nota da prova.
A sala inteira explodou em comemorações e gritos, só eu fiquei calada, porque realmente gostava dos trabalhos de redação e era com eles que eu contava naquele momento.
- Shh - Denise pediu - o trabalho é o seguinte: vocês se reuniram em grupos de seis pessoas e farão uma coletânea dos melhores livros que vocês já leram. Um livro por pessoa.
A sala se calou, e apenas restaram murmúrios e xingamentos.
- Não desanimem. Caso haja um filme desse livro vocês podem apresentá-lo também. A única coisa obrigatória é: um cartaz, que deve ser feito por todos vocês juntos, e as informações de cada livro. Isso inclui autor, sinopse, gênero, editora e a razão de gostarem desse livro.
O resto da aula se seguiu com a Denise explicando o que iríamos fazer e com os alunos, na maioria homens, reclamando da inutilidade desse, nas palavras deles, maldito trabalho.
O nosso grupo já estava formado. Seis era o número ideal, porque não deixava ninguém de fora e assim cada processo era dividido em várias partes tornando mais fácil trabalhar.
Eu só temia uma coisa: que nos reuníssemos na casa da Maria.
VOCÊ ESTÁ LENDO
De Longe Até Parece Que Somos Um Casal
RomanceGabi é uma jovem de dezesseis anos que não faz nada de mais. Não vai à festas, não bebe, não fuma, e nem tem tatuagens. Tudo na vida dela, mesmo estando só no primeiro ano do ensino médio, gira em torno do Enem. Provas do Enem, livros pro Enem, reda...