I - raízes

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A noite estava perto do fim quando um estranho desconhecido se sentou ao meu lado no balcão do bar. Ele pediu uma bebida ao barman e após isso não disse sequer uma palavra.

Sua presença era marcante, se assim posso dizer. Eu estava alguns centímetros longe, mas ainda assim eu conseguia sentir o calor que ele emanava.

Era incrível e assustador.

Olhei rapidamente no visor do celular.

03:15 da manhã.

Oliver realmente não iria ao nosso encontro.

Isso me fez pensar o quão idiota eu era em pensar que meu adorado amante largaria tudo e todos para viver comigo.

Sorri amargamente um segundo antes de tomar a última dose de uísque seco.

_Desculpe-me - uma voz grave e rouca surgiu no meio da escuridão. - Você tem fogo?

Olhei para o lado e me deparei com aqueles brilhantes olhos verdes que por uma fração de segundo foram vermelhos.

Eu franzi o cenho quase que hipnotizada por aquela beleza assustadora.

_Ah, claro. - pisquei algumas vezes saindo do transe, olhei dentro da minha bolsa e peguei o esqueiro vermelho para entregar ao estranho desconhecido.

O homem o pegou da minha mão e quando o fez senti a ponta dos seus dedos queimar a minha pele só de encostar por um segundo.

Aquela faísca foi o suficiente para ascender uma chama dentro de mim.

_Obrigado. - disse ele, colocando um cigarro entre os lábios.

_Por nada - assenti com a cabeça, finalmente tornando a olhar para o meu copo vazio.

Suspirei cansada. Já estava mais do que na hora de eu pegar as minhas malas no carro e ir embora porque Oliver realmente não fugiria comigo como antes eu acreditei.

Repentinamente o meu esqueiro vermelho passou rodando pelo balcão e parou apenas quando bateu no vidro do meu copo.

_Posso te pagar uma bebida?

Olhei para o desconhecido com uma das sobrancelhas erguidas antes de murmurar um "sim".

_Meu nome é Persephone Houser. - falei antes dele ao menos perguntar.

Foi quando um sorriso nasceu de seus lábios e eu juro que naquele momento eu me dei por conta do quão quente ele poderia ser.

_Hades - se apresentou naturalmente o que me fez soltar uma breve risada.

_Hades? - questionei achando graça, mas no momento em que seu nome passou pela minha boca minha língua queimou e eu tornei a ficar séria.

_Persephone? - rebateu com uma maldade cintilante nos olhos.

Naquele instante, olhando para ele, foi difícil respirar. Meu corpo se tornou um barril de pólvora e mesmo que ele não dissesse eu sabia que era fogo, então eu não precisei pronunciar sequer mais uma palavra em relação aos nossos nomes mitológicos gregos.

Ele estava ali, diante de mim, me fitando silenciosamente ao som do meu desespero que soava como música para seus ouvidos.

A bebida fora deixada encima do balcão vermelho, mas eu sequer pude notar. Estava enfeitiçada por aqueles grandes olhos verdes e por aquela pele morena que brilhava como o inferno.

Hades era um homem muito atraente, mais até do que Oliver. Ele parecia ter em torno de vinte sete ou tinta anos, mas sua beleza era tão jovem e voraz que chegava a assustar. Boa parte da sua intensidade estava concentrada em seu olhar penetrante e isso de alguma forma ia percorrendo pelas curvas do meu corpo como mercúrio antes de me envenenar.

_Por que você está aqui sozinha? - Hades questionou ao dar um trago em seu cigarro devagar com os olhos fixos em mim.

Cruzei as pernas e sorri amargamente. Antes que eu pudesse inventar uma boa mentira a verdade explodiu para fora de mim.

_Meu amante não veio.

_Azar o dele. - Hades deu de ombros e franziu as sobrancelhas. - Como você está se sentindo, Persephone?

Olhei para ele curiosamente.

Nenhum homem jamais me fizera aquela pergunta em toda a minha vida. Todos eles sempre me viam como um corpo vazio, aquele que eles poderiam usar sem nenhum compromisso. De alguma forma eles estavam certos, eu nunca quis algo sério com alguém porque a minha liberdade sempre foi a minha verdadeira paixão. Isso, é claro, antes de conhecer Oliver e me encantar por mentiras e dinheiro fácil.

Ele foi o meu primeiro erro. O primeiro dos meus incontáveis erros.

_Honestamente? - sorri fraco. - Estou muito cansada. Irei dormir na pousada e assim que o dia amanhecer eu irei embora daqui para nunca mais voltar.

Hades me analisou silenciosamente antes de dizer qualquer palavra. Era como se ele estivesse elaborando sua própria fala ou simplesmente canalizando seus pensamentos.

Eu ainda não conseguia entender por que diabos eu estava revelando todos os meus planos para um estranho desconhecido, mas o fato era que eu simplesmente não conseguia mentir para aquele homem como o fazia com os outros.

Ele trazia a verdade átona. Ele era a própria verdade.

_Está pensando em fugir? - Hades disse algum tempo depois, sugestivo.

_Estaria se essa cidade fosse minha casa, mas a verdade é que eu nunca pertenci a lugar nenhum. Eu não tenho raízes. - dei de ombros, coloquei a franja negra atrás da orelha e bebi um gole do meu uísque quente. - E a propósito, você não me falou nada sobre sua vida ainda.

Um sorriso covarde nasceu dos seus lábios no mesmo instante.

Aquele bar nunca fora tão silencioso e sombrio. Era como se não houvesse ninguém ali, apenas nós. As luzes vermelhas já não brilhavam tanto, a música já não chegava aos meus ouvidos e eu não enxergava nada além daqueles peculiares olhos verdes.

_O que você quer que eu diga? - fumou o cigarro, prendeu um pouco e soltou pelo nariz como um dragão.

_Não sei... O que você quer me dizer?

O homem moreno e forte diante de mim parou de sorrir .

_Que se você não tiver um destino melhor pode me seguir.

_O que isso significa? - perguntei cuidadosamente.

_Você quer passar alguns dias no meu inferno? - então seus olhos verdes firmaram em mim e ele prendeu a respiração esperando pela resposta.

_Férias no inferno? - eu perguntei rindo.

_Por que não? - ele respondeu fitando-me diretamente nos olhos. 

Eu pensei que ele estivesse brincando, mas não. Afinal, Hades nunca brincaria com algo tão sério.

Então eu disse novamente "sim".

Primeiro porque eu estava curiosa para saber o que me aguardava, e, segundo e mais importante porque eu simplesmente não sabia como dizer não ao Hades.

Ele despertava as melhores e as piores emoções dentro de mim.

ATRAVÉS DA ESCURIDÃOOnde histórias criam vida. Descubra agora