XVI - eternidade

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Durante todos aqueles anos de amnésia eu vivi três vidas e logo as apaguei. Isso porque eu não poderia passar uma eternidade no mesmo corpo e ambiente, então para que tudo se solucionasse a minha memória seria apagada imediatamente após eu me encontrar em algum lugar.

Mas taí o erro: eu nunca de fato me encontrei em  um lugar. Desde o Inferno, o Olimpo, o Submundo ou a Terra, tudo foi temporário, tudo se desfez. A única coisa que se manteve foi a incerteza e a maldade brilhante dentro de mim porque essa é a minha essência.

Mas talvez se eu tentasse ser boa, não sujar mais minhas mãos com assassinatos cruéis e sanguinários, parar de tramar contra as pessoas que eu amo ou se eu simplesmente aprendesse a controlar meus demônios, eu pudesse me encontrar em algum lugar e assim, por fim, recomeçar novamente.

A verdade é que eu tive inúmeras chances de me refazer, porém tudo o que eu toco queima, tudo o que eu amo morre e tudo o que eu sou é destruição.

Talvez tenha sido um erro enorme recuperar minhas memórias, mas Hades não se importava, ele me desejava mesmo que isso significasse seu fim. Cecília é quem estava certa quando disse que eu ainda o arruinaria, pois esse foi o meu objetivo desde o começo.

Ao contrário do que imaginei, a Persephone Houser ainda estava em mim, e mesmo que inconsciente e sufocada por meu caos, ela ainda sussurrava coisas agradáveis em meu ouvido. O problema é que meu sangue podre fez com que a escuridão retornasse com as memórias, deixando incerto aquele futuro próximo.

_Estou com tanto medo. - Hades murmurou, sentado em sua cama com os olhos fixos no chão. - Eu acho que eu me apaixonei por alguém que não é real.

_Eu nunca fui boa, se é isso que você quer dizer. Eu sempre fui a personificação da maldade. - sussurrei, beijando seu pescoço enquanto massageava seus ombros tensos embaixo daquela armadura de couro. Eu estava atrás dele, colada em suas costas e de joelhos no colchão macio. O fogo queimava lentamente nas lamparinas, o que dava um ar aconchegante e sensual.

_Você é louca para caralho, Persephone! Eu não sei qual é a diferença quando você está me amando ou tentando me matar. - Hades suspirou frustado, virando o rosto para me encarar e ficando assim muito próximo a mim.

Me perdi em seus olhos verdes que nunca estiveram tão escuros, e então sorri.

_Talvez tudo faça parte da mesma coisa.

_Eu não duvido disso. - ele disse sincero. - Amar você me mata.

_Também me mata amar você. - minha voz não passou de um sussurro.

Seus olhos estavam tão fixos nos meus, nossas bocas tão próximas uma da outra e nossos corpos tão quentes... Mas não era a mesma sensação de cem anos atrás, era tal como se eu fosse querosene e ele fogo. Eu sabia que iríamos explodir a qualquer momento.

_Cem anos se passaram... - Hades tinha a voz baixa e abafada tal como o natural, porém ele parecia estar se controlando para não perder o controle. - Mas isso me levou a vida toda.

_Eu que deveria dizer isso. - rolei os olhos, sorrindo.

_Você não está com raiva?

_Por que estaria?

Ele desviou o olhar quando encarou o chão.

_Porque eu te fiz sofrer.

_Eu mereço. - balancei a cabeça afastando pensamentos estranhos e me concentrei em arrancar aquela sua maldita armadura.

_Eu fui cruel com você. - Hades ainda parecia preso naqueles pensamentos do passado quando ficou sem camisa, então eu entrei em sua frente ao sentar-me em seu colo. Hades me encarou bem no fundo dos meus olhos quando eu segurei seu rosto com minhas mãos assassinas e sorri. - Acho melhor você ir para o seu quarto.

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