V - realeza

1.3K 173 78
                                    

Dias, meses ou até mesmo anos depois...

Hades era o rei do submundo e ele dizia me amar. Mas quem ama cuida e ele nunca de fato cuidou de mim. Hades não se perguntou como eu me sentia a respeito daquilo e nem tampouco se colocou em meu lugar antes de concretizar uma maldita profecia. Ele era apenas mais um dos muitos bonecos do destino. Ele não tinha vontade própria assim como todos os outros deuses.

Talvez fosse exatamente essa a nossa maior diferença: Eu tinha formato próprio como um diamante bruto enquanto ele nada mais era do que uma argila explosiva.

Aquele tempo em que passei no submundo me serviu de muito aprendizado. Eu que era atéia antes de tudo, mas percebi que até os mais cruéis tem uma religião. E isso de alguma forma salvava ou condenava as suas almas. Gostaria de ter percebido mais cedo isso, talvez meu deus pudesse ter evitado aquele fim trágico.

_Você quer vinho? - sua voz soou tão próxima quanto distante, provocando um intenso calafrio.

Eu pisquei algumas vezes olhando para a lareira acesa e pensando o quão irônico aquilo poderia ser já que, definitivamente, aquele lugar poderia ser considerado o inferno.

_Sim. - eu respondi ainda sem desviar os olhos do fogo que dançava sensualmente para nós.

_Aqui está - uma taça surgiu de repente no meu campo de visão, o que forçou-me a virar o rosto para o lado. Lá estava Hades segurando nossas bebidas com um olhar frio e estupidamente penetrante voltado a mim.

Eu o encarei com profundo desprezo.

Os céus sabem o quanto eu odiava aquele maldito homem e o quanto eu queria que ele morresse, embora ainda soubesse que fosse impossível já que ele era um deus imortal e com toda a sua força, imoral.

Eu segurei a taça de diamante firmemente algum tempo depois, encarei o líquido vermelho-escuro que se assemelhava a sangue e então tornei a olhar no rosto do meu cruel carcereiro.

_Um brinde, querida! - Hades proferiu baixo e ameaçador. Mas aquilo não me assustava, não mais.

E nossas taças se chocaram uma com a outra causando um som que soou alto demais em meio ao silêncio.

Tin-tin!

_Um brinde, querido! - sorri amargamente e sem pensar nem mais um segundo virei a taça bebendo todo o líquido como se fosse o seu próprio sangue.

E como eu queria que fosse.

Hades sorriu de volta sem retribuir a amargura. Porque a verdade é que ele se divertia com minha dor, com meu ódio, com minhas lágrimas. Ele era sádico de uma forma doentia.

Hades tomou um gole da sua bebida e olhou em direção a lareira da grande sala do seu palácio. Nesse instante seus olhos tornaram a ficar vermelhos, era como se eles tivessem pegando fogo e de fato estavam.

Eu ainda não havia me acostumando com as suas mudanças de humor e nem tampouco com seus olhos bicolores. Em um momento eles eram verdes como olivas e em outro vermelhos como sangue e fogo.

Nada ali realmente permanecia em seu estado natural, tudo sofria alguma alteração, tudo queimava, tudo era pó e cinza. O palácio onde ele morava era tão grande que não tinha começo e nem fim. O ouro e o fogo em cada detalhe fazia meus olhos brilhar. Por trás de cada parede havia um grande segredo e em alguns momentos eu ouvia choro e em outros risadas. Tudo sempre vazio e silencioso, mas se prestasse atenção saberia exatamente do que eu estava falando.

_Quer conhecer um lugar? - Hades indagou de repente, quebrando em mil pedaços o silêncio imposto entre nós há alguns longos minutos.

_Tanto faz! - dei de ombros sem olhar para ele. - Está tentando me impressionar, Hades?

ATRAVÉS DA ESCURIDÃOOnde histórias criam vida. Descubra agora