IV - escuridão

1.4K 176 31
                                    

- "Através da escuridão, por bem ou não, você vem comigo."

Abri os olhos assustada e olhei a minha volta sem entender nada. Aquela voz ecoava na minha mente e eu não sabia se era real ou não. Eu não tinha ideia de onde estava, quem eram eles ou o que eles queria comigo. Mas eu precisava fugir enquanto houvesse tempo.

A minha disposição era mínima para me levantar, eu estava tão cansada e fraca que mal poderia me manter acordada. Entretanto, relutantemente eu juntei as minhas forças e disse a mim mesma que iria sair daquele lugar.

Eu era mestre em armas, eu também era uma golpista. Não sabia de qual maneira aquilo iria me ajudar naquelas circunstâncias, mas iria usar minhas habilidades para tentar sobressair daquela situação.

O quarto estava escuro, era noite, mas eu não tinha certeza. Forçando a minha visão eu peguei o lençol onde estava enrolada segundos antes e me arrastei através da escuridão até o pólo direito do quarto. Tinha uma grande porta com vitrais coloridos que lembravam muito aqueles das antigas igrejas católicas. Aquela porta era a única fonte de luz que tinha no lugar apesar de estar fechada. Mas por trás dela era como se existisse um mundo inteiro lá fora, uma luz mais forte que a do sol, algo que queimava.

A luminosidade amarelada escorria por toda a extensão do quarto dando ar de filmes de terror. Eu não sabia o que encontraria lá fora, mas eu precisava tentar, eu precisava ir até lá.

Ouvia vozes sussurrando palavras obscuras e sabia que não eram reais. Eu era louca, talvez aquele quarto fosse parte do hospício e se fosse de fato eu tinha de ir embora o quanto antes.

Caminhei com dificuldade até a porta. A cada passo meu coração batia mais devagar, era como se minha vida estivesse escorregando por uma ampola de tempo. Se o fim viesse eu já estaria pronta.

Ao chegar rente a porta uma sensação estranha se apoderou do meu corpo, mas eu não dei para trás. O plano era simples: se a janela estivesse próxima ao chão eu iria amarrar o lençol na sacada e escorregar por ele até o terraço, e, se fosse muito alto eu iria descer pela escada de incêndio ou algo relacionado. Eu tinha quase que certeza de que aquela porta dava para uma sacada.

Respirei fundo. A luz queimava meus olhos mesmo que eles estivessem fechados e eu sentia as ondas de calor me abraçando.

Segurava a maçaneta com força e determinação, mas no momento exato em puxei para baixo e abri uma fresta do que já parecia ter se tornado um portal para outra dimensão, aquela voz invadiu o meu pensamento me forçando a parar.

_Se eu fosse você eu não faria isso.

_Se eu fosse você eu não tentaria me impedir.

_Eu não vou. - Hades disse simplesmente atrás de mim e por um momento eu pude imaginar ele dando de ombros como se não se importasse. - Faça o que quiser, Persephone, nada será o bastante para te tirar daqui.

_Eu não acredito em você. - olhei por cima dos ombros e lá estava ele me observando calmamente.

_Por que não?

_Você ainda pergunta?

_Obviamente.

_Você atirou em mim e me sequestrou! - eu gritei me voltando finalmente a ele e largando aquela maldita maçaneta.

Olhar para ele travou meu pensamento. Ele era intenso de uma forma ultravioleta.

_Primeiro: - ele começou dando um gole em seu uísque e olhando para mim -, eu não atirei em você, você que atirou em mim. Segundo: eu não te sequestrei, você veio por conta própria.

_O quê? Você é louco! O tiro acertou em mim e eu não lembro de vir para o inferno usando as minhas próprias pernas.

Eu não tinha ferimento algum na barriga, o que era estranho porque eu sabia que tinha sido atingida. Pensar naquilo me fazia refletir se eu estava ainda mais louca ou não.

_Você atirou em mim e o tiro voltou em você porque, baby, nós somos apenas um. E a propósito, eu perguntei se você queria me seguir lá no bar e você disse que sim. - Hades conversava com tanta naturalidade, era como se nada de fato estivesse acontecendo. Sua frieza era mais que invejável.

_Eu não sabia que você estava falando sério! - exclamei quase entrando em um colapso nervoso. - Você me levou ao inferno.

_Aqui não é o inferno, esse é o submundo, mundo inferior ou o que melhor te convém. O Tártaro ou inferno fica abaixo daqui, lá é onde as almas são castigadas por seus pecados e aqui é onde elas são julgadas antes de serem mandadas para lá.

Eu fiquei olhando para o homem moreno a minha frente sem conseguir entender sequer uma palavra. Não poderia ser real, aquilo realmente estava fora de cogitação. Eu me recusava a acreditar em suas mentiras, elas eram sujas e absurdas.

_Eu odeio você, odeio esse lugar, odeio tudo o que você toca. Eu quero ir embora. E eu vou ir embora. Você não vai me impedir. - minha voz nunca soou tão confiante quanto naquele momento, mas quando Hades sorriu de lado eu tive plena certeza de que ele poderia ser ainda pior.

_Vá em frente então, querida. Abra a porta e veja com seus próprios olhos o que te espera lá fora. - Hades disse calmamente, virou o copo de uma só vez e bebeu todo o álcool.

Eu não deveria, mas fiz.

Eu não poderia, mas quis.

E quando me virei e abri a porta eu finalmente entendi ao que ele se referia:

O caos.

Lá fora era o mundo profundo do qual ele tanto falava. Almas nadavam desesperadamente dentro daquele mar de fogo e os demônios riam encima dos vulcões ativos.  Não havia céu, apenas fogo e escuridão. Caos e guerra. Olhos famintos, gritos de dor e amor, algo que eu jamais poderia narrar.

Eu sentia o desespero daquelas almas, o medo, a dor. Eu conseguia sentir suas peles sendo queimadas, o cheiro de enxofre, suas vidas se esvaindo e transformando-se em cinzas...

De repente, o portal é fechado por uma força sobrenatural. Olhei para trás com os olhos arregalados e as mãos suando frio a procura dele, mas Hades já não estava mais lá. Como em um passe de mágica ele havia desaparecido mais uma vez, me deixando sozinha e desamparada no centro da Escuridão que ele disse em meus pensamentos que enfrentaria comigo, mas que no fim não passou de uma promessa vazia.

A primeira de muitas.

Pessoal, eu mudei o nome do livro porque achei que melhor seria. Mas a história continua a mesma.

ATRAVÉS DA ESCURIDÃOOnde histórias criam vida. Descubra agora