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Londres, 27 de janeiro de 1950.

Heaven Bryer

O aroma agradável de café invadiu minhas narinas assim que cruzei a porta divisora entre a sala e a cozinha. Até aquele momento da manhã, eu não percebera o tamanho de minha fome. Apesar de estar completamente pronta para partir e já manter os dentes previamente escovados, resolvi cruzar a pequena cozinha.

Minha mãe se encontrava sentada à mesa. Aproveitava o momentâneo descanso entre a preparação do café da manhã e a lavagem e passagem das roupas de toda a casa. Meu pai, como em todas as refeições, se encontrava ao outro lado da mesa, os olhos exprimidos ao ler atentamente o seu exemplar diário do The Times. Sorri ligeiramente ao notar o quanto aquela cena era familiar.

Os pães recém assados exalavam a beleza e a suculência que só a Sra. Bryer era capaz de proporcionar. Com um dos braços equilibrando a bolsa pesada e as pastas encouraçadas ao mesmo tempo, abri a pequena cafeteira e virei o conteúdo negro e esfumaçado em minha xícara favorita. Uma porcelana chinesa belíssima, que fazia parte da coleção de minha mãe. Ela jamais me deixaria tocar naquela peça se soubesse que, num fatídico dia, eu havia a levado para o expediente no escritório e quase a deixara cair. Naquela tarde, derrubar café quente em meu vestido plissado, em contrapartida, me dera a lição merecida.

— Bom dia – murmurei antes de soprar o líquido fervente próximo a minha boca.

— Bom dia, Heaven – meus pais responderam em uníssono.

— Onde está Sarah? – perguntei, piscando os olhos. A pequena não estava sentada junto a eles.

— Não está se sentindo muito bem. Seu pai decidiu que ela não irá a escola hoje.

— O que exatamente ela está sentindo? – questionei. Do pouco que via Sarah, percebi que ela não estava mais tão falante quanto sempre fora.

— Esta noite quase não me deixa dormir. Sentiu calafrios e suou por toda a madrugada. De certo terei de chamar um médico para atende-la.

Juntei levemente as sobrancelhas.

— Pois diga à pequena que estimo melhoras, por favor. Tentarei retornar para casa o mais cedo que puder, para vê-la. – tomei o último gole de café, repousando a xícara na mesa em seguida.

Já ia limpando a boca com um pano de pratos, pronta para sair, quando meu pai abaixou o jornal aberto na altura do queixo. Senti a surpresa em seus olhos.

— Heaven, você tomará apenas esta xícara de café? – Sr. Bryer quis saber. — Desse jeito que anda, cairá doente tal como a sua irmã.

— Faltam apenas 10 minutos para o início do expediente no jornal. Se eu pudesse, me sentaria convosco – juntei as pastas, distribuindo o peso dos papéis para ambos os braços.

Mamãe fez uma careta em desaprovação. Eu sabia que dali iniciariam discursos milenares. — Jornal, jornal, jornal. Tudo o que você diz nos últimos meses é a respeito desse jornal. As mulheres de hoje se esqueceram do seu papel. Em minha época...

Puxei o ar, endireitando-me. Ignorei as palavras que se seguiram, enquanto me aproximava da senhora de meia idade. Beijei sua testa.

— Sua benção, mãe – proferi, assim que ela havia se calado.

Repeti o processo, desta vez dando atenção ao homem grisalho. Ele recomendou que eu levasse comigo um guarda-chuvas, o que eu respondi positivamente com um murmúrio.

Abandonei a cozinha e cruzei apressadamente o hall de entrada da modesta casa. Tive certa dificuldade em conseguir capturar com a mão esquerda meu casaco e o cabo do guarda-chuvas, mas assim que o fiz, tratei de apertar o passo em direção à porta.

1950 • h.sOnde histórias criam vida. Descubra agora