three

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Londres, 28 de janeiro de 1950.

Heaven Bryer

Eu passara a manhã e a tarde inteiras tentando me concentrar na diagramação das páginas da edição do jornal que seria lançado dali algumas horas. Precisei entregar o conteúdo revisado nas mãos de Joey com uma hora de antecedência, em detrimento do tempo hábil de trabalho que me seria descontado ao precisar me encontrar com George e o senhor Styles no final do expediente.

— Tem certeza de que tudo já está pronto? – Joey questionou ao verificar o maço de folhas em suas mãos. Ele era praticamente um pombo correio de meia idade. Perambulava pelas escadas a levar de um andar a outro os jornais já revisados por mim. Suas sobrancelhas juntas em desconfiança eram parte do deboche que ele emanava a mim e a todos os demais funcionários. Não me restavam dúvidas de que ele era um dos muitos acusadores de falhas para o editor chefe. Depois de Peter, é claro.

— Sim, senhor – afirmei em tom satisfeito, alisando a saia do vestido com as duas mãos.

Nos minutos que precederam às derradeiras 17h00, sentei-me em minha cadeira e passei os olhos pelas letras tingidas no documento que George havia entregue. Ali estavam explicitados os meus deveres e compromissos durante o processo seletivo. Alguns itens lidos ontem em meu quarto se repetiam ali.

Por um momento, pensei se Styles também perdera seu precioso tempo lendo todos aqueles documentos repletos de parágrafos burocráticos. Suposto que não.

Resolvi pular de "Regras gerais" para o item "Avaliações". Era arriscado não dar a devida atenção àquele tópico, mas estando há menos de vinte minutos da primeira avaliação, eu não tive outra escolha senão focar nos critérios de pontuação.

Tentei absorver o máximo que pude daquelas letras em pouco tempo. Às vezes, eu me perdia em meus devaneios e precisava retomar a leitura de uma frase ou outra do início. E quando eu apenas começara a terceira página, ouvi bater à porta.

Deixei o maço de folhas em minha mesa rapidamente, me levantei e caminhei até a trinca para gira-la. Pensei que poderia ser Diana vindo me acompanhar à sala do senhor Smith, mas duvidava desta hipótese.

— Simon? – pronunciei assim que vi seu rosto.

Eu nem deveria estar assim tão surpresa, mas estava. Talvez porque, naquele dia, eu ainda não o vira. Ele não viera mais cedo me entregar a sua coluna do jornal do dia seguinte para que eu as revisasse; pediu que um colega o fizesse.

— Heaven – ele cumprimentou. — Posso entrar?

Reparei em como ele mordeu o interior da bochecha. Seu cabelo castanho estava meticulosamente penteado para trás; um conjunto de terno marrom cobria seu corpo magro. Por mais que eu não conhecesse tão bem as notas dos perfumes masculinos, sabia que ele havia apertado o borrifador mais vezes do que o necessário.

— Claro – afirmei e dei-lhe passagem. Ele entrou e eu apenas encostei a porta no batente. — Como está?

Eu não sabia se queria ouvir aquela resposta. Ele tinha conhecimento de que eu havia me candidatado para concorrer à sua atual vaga. Por isso veio em minha sala apenas naquele momento? As notícias e fofocas corriam por aqui não apenas pelos papéis. Cedo ou tarde teríamos de nos ver e conversar a respeito. Eu só não esperava que aquela conversa ocorresse tão cedo assim ou, até mesmo, antes da primeira avaliação.

— Bem. E você, imagino que esteja ótima – observei-o colocar as mãos nos bolsos da calça. Ironia. Simon era péssimo em esconder suas emoções.

Virei-me para que ele não pudesse ver meu rosto. Algo em sua frase me fazia sentir envergonhada.

Sempre o contei sobre os problemas de minha casa, e de longe, ele era meu único contato pessoal direto no The Times. Porém, por questões de segurança e para manter minha reputação — segundo o próprio Simon — nossas conversas ficavam à mercê das horas vagas, quando não haviam bocas venenosas para importunar-nos. Geralmente tínhamos alguns minutos quando ele vinha me entregar as colunas prontas.

1950 • h.sOnde histórias criam vida. Descubra agora