five

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Londres, 29 de janeiro de 1950.

Heaven Bryer

Minha mesa estava uma verdadeira bagunça, ao nível de ser difícil diferenciar o que seriam matérias a serem revisadas e o que seriam documentos para a escrita de minhas colunas para a competição. Sentindo-me indisposta para organizar o caos, deixei tudo espalhado em frente à mim. A tarde, com certeza, eu buscaria uma forma de lidar com aquilo.

Mais um longo dia de trabalho. Havia uma acumulação anormal de conteúdos para a minha revisão, e Simon ainda não tinha sequer mostrado sua face pela fresta de minha porta para me entregar suas colunas. Presumi que este estaria ocupado — era mais confortável à minha mente do que assumir que o moreno, de fato, estava desapontado comigo.

Entrelacei as pernas, cobertas por uma meia calça fina, por baixo da mesa. A caneta estava em minha boca e eu mordia freneticamente sua tampa metálica, em busca de dissipar o desconforto crescente em meu estômago. Deveria ter tomado algum um chá antes de iniciar o turno. O relógio já marcava 11h35. Felizmente, o almoço estava deliciosamente próximo.

Anotei alguns deslizes nas notícias, reescrevi sentenças. Erros de diagramação, omissão de acento em uma palavra citada em francês, dupla repetição de pontos finais... Alguns funcionários sempre cometiam os mesmos erros. Laurent, da seção de Notas de Falecimento, por exemplo, jamais deixava uma redação pronta sem ao menos posicionar uma vírgula escandalosa entre o sujeito e o verbo.

Fui interrompida em meio a uma correção sintática importante pelo som estrondoso de meu telefone. Alcancei-o com a mão esquerda, e com a direita, retomei o ritmo de escrita. Não havia mais tempo para perder. Posicionei o aparelho em meu ombro, me retorcendo para equilibra-lo e mantê-lo colado ao meu ouvido.

— Pois não? — atendi, um pouco impaciente pelo embalo de minha tarefa anterior.

Heaven? — a voz inconfundível de Simon se fez ouvir do outro lado da linha. — É Simon.

— Oh, olá Simon! – confesso que estava surpresa. Então ele ainda queria dirigir a palavra a mim, mesmo que por telefone. Decidi tratá-lo normalmente, como se nada fosse. — Como vai?

Em minutos irei entregá-la mais algumas matérias prontas — ele disse, ignorando minha cortesia. — Posso considerar que as anteriores já estão revisadas?

Parei de escrever.

— Hm... Eu não... — afastei o telefone de minha boca apenas para soltar um xingamento inadequado que eu esperava ter sido inaudível. Eu ainda tinha de revisar um editorial e uma manchete. — Claro. Estarão impecáveis.

Ótimo. Até logo — e desligou, interrompendo nossa comunicação.

Devolvi o telefone ao gancho com a sensação de meu estômago estar submerso há metros de profundidade.

Minutos costumavam passar como meros segundos quando se precisava aproveitar ao máximo deles. Procurei forças em meu interior para continuar o processo de correção. Com a sombra da recém encarnada indiferença de Simon sobre mim, ficava complicado conciliar simples tarefas diárias que se relacionavam a ele.

Minha mão tremeu, munida da caneta, quando batidas na porta me assustaram. Praguejei. Não era justo que Simon me desse minutos e viesse em segundos!

Desesperada, calcei rapidamente os sapatos bege que havia abandonado ao lado da minha cadeira e, enquanto avançava para a porta, ajeitei minha saia rodada azul celeste. Inspirei fundo antes de girar a maçaneta. Puxando-a, tratei de ser tão mais direta e honesta quanto possível:

1950 • h.sOnde histórias criam vida. Descubra agora