seven

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Londres, 31 de janeiro de 1950.

Heaven Bryer

— Pode me passar o saleiro, Ashton?

O som da legião de vozes se misturava ao de talheres tintinando nas louças de porcelana no refeitório. Meus ouvidos já haviam se acostumado ao ruído rotineiro, mas certamente não ao das vozes masculinas tão próximas a mim.

— Aqui — o rapaz esticou o braço para atravessar a mesa não tão estreita.

Remexi com o garfo o assado de frango em meu prato, tímida. Ter meu almoço sozinha talvez não fosse mais um privilégio tão facilmente alcançado dali em diante. Naquela tarde, eu fui surpreendida pelos quatro homens da contabilidade, que novamente me rodearam e ocuparam os assentos vazios em meu entorno. Eu ainda não havia memorizado todos os seus nomes, mas, de algum modo, eu sentia que deveria, caso eles insistissem em manterem qualquer contato estranhamente amigável.

A conversa fluira bem até ali, superando minhas expectativas negativas. Perguntaram-me sobre meu cargo de revisora, sobre perspectivas de futuro e até mesmo sobre meu sabor favorito de sorvete.

— Sabe, senhorita Bryer — Luke começou, limpando os dedos manchados de molho em um lenço —, deveria visitar o setor das finanças um dia desses.

Pisquei. O som de garfos cessou por instantes em nossa mesa.

— Digo, para que possa conhecer melhor. Talvez possamos guia-la — Luke continuou, confiante.

Engoli o pedaço de peito de frango que estava em minha boca há minutos. Meus olhos encontraram as safiras de Luke, que me encorajou com um sorriso. Coloquei minha mão sobre minha boca, limpando a garganta delicadamente.

— Agradeço o convite, mas terei de recusar — minha fala saiu rápida demais. — Estou muito ocupada nessas semanas.

— Não leva tempo — o moço asiático mestiço persuadiu, fazendo com que Luke assentisse em seguida — Sabemos que seu tempo é precioso, madame.

— Estaríamos felizes se pudesse compartilha-lo com quatro rapazes estupidos — o loiro insistiu.

Encarei os jovens. Meses atrás, eu jamais me deixaria levar por amizades masculinas, exceto pela de Simon. Diferentemente de minha relação com ele, esta não estava escondida por detrás das portas. Eu estava ali, rodeada de homens, no centro do refeitório, para quem tivesse um par de olhos ver.

Um arrepio involuntário em minha coluna me lembrou de ficar atenta; até que ponto eu poderia me expor à qualquer tipo de reputação negativa? Uma moça vista com vários rapazes poderia ser tão duvidoso quanto escandaloso. Apesar dos pesares, Simon poderia estar apenas exagerando quando dizia optar pela discrição. Ou não?

No fundo, eu não entendia por que uma relação de amizade entre homens e mulheres — ainda que superficial e insignificante — traria problemas às duas partes.

— Está bem — aceitei, indignada com minha própria coragem. — Uma visita não fará mal.

Luke e outros dois deles sorriram. Eu não consegui evitar em me sentir lisonjeada.

— Final de expediente. Na terça feira? — sugeriu Luke.

— Creio que sim.

— Eu a buscarei em sua sala — o loiro foi logo dizendo, lançando uma piscadela atrevida em minha direção.

Antes que eu pudesse negar ou sequer protestar, ele se levantou com seu prato e talheres, sumindo rapidamente em meio aos funcionários próximos ao balcão de refeição.

1950 • h.sOnde histórias criam vida. Descubra agora