Londres, 7 de fevereiro de 1950.
Heaven Bryer
— Bom dia, titia — desejei, adentrando a cozinha.
Minha tia estava de pé, ao lado da pia. Seus cabelos estavam totalmente desordenados, como se ela tivesse acabado de retirar os bobs do cabelo mas não o arrumado, de fato.
— Bom dia, minha querida — tia Ophelia sorriu, puxando uma cadeira de madeira para mim. — Sente-se, fiz um pão doce irresistível!
Na mesa, uma forma de alumínio continha uma boa quantia de pão caseiro com cobertura de açúcar e coco. O cheiro estava ótimo. Já salivando em ansiedade, me apressei em cortar um pedaço com uma pequena faca.
— Seu pai está em casa — ela anunciou, sentando-se ao meu lado. — Voltou tarde esta noite. Deve estar dormindo.
— E disse algo à senhora? — preocupei-me.
Pensei em perguntar-lhe se papai havia comentado algo a respeito das contas do hospital, mas desisti no instante seguinte. Provavelmente, ele não diria nada a tia Ophelia, a não ser que ele quisesse mesmo que eu soubesse.
A senhora balançou a cabeça levemente, negando.
— Não conversei com seu pai. Apenas o ouvi chegar nesta madrugada. Não achei que seria apropriado interceptá-lo no corredor da casa naquele horário.
— Entendo — murmurei. — Ele, de certo, está muito cansado. É melhor que deixemos que ele descanse um pouco.
— Concordo — disse tia Ophelia, simplesmente.
Mordi o pão, encarando o bule de chá a minha frente. Adoraria ver meu pai e abraçá-lo, mas não sabia até que ponto meus olhos seriam capazes de esconder a verdade. Um arrepio percorreu minha coluna, ao recordar-me de que eu estava, de fato, mentindo para ele. Em vista disso, encara-lo não seria a tarefa para a qual eu estava mais animada no momento.
Depois de devorar o restante do café da manhã preparado por titia, despedi-me dela com um abraço rápido. O tempo lá fora, do outro lado das janelas da sala, parecia estar mais ameno do que o dia anterior — o que era bom, já que não seria necessário utilizar uma blusa de lã grossa. Peguei minha bolsa, que estava sobre o sofá, e caminhei até o hall de entrada da casa. Antes de sair, parei por um instante para checar minha imagem no grande espelho ao lado do pendurador de casacos.
O vestido rosa claro possuía mangas curtas; bordados de flores grandes cobriam toda a região do busto, descendo até a barra da saia. Aquele era um de meus preferidos. Puxei as luvas de seda de seu bolso lateral e vesti-as rapidamente.
— Até mais tarde — exclamei para titia do vestíbulo, enquanto pendurava minha bolsa pesada no ombro.
Ao contrário do que eu previra, a manhã daquela sexta-feira estava tão fria quanto uma manhã de outono londrina poderia ser. Assim que fechei a trava do portão de minha casa e senti o vento gelado atingir meu rosto, me arrependi de não ter pego um casaco quente para levar comigo ao trabalho. Ao menos, em algo me precavera: o tempo nublado indicava que uma chuva torrencial se aproximava, e o guarda-chuva vermelho estava dependurado em meu antebraço, junto de minha bolsa.
Mesmo me sentindo fisicamente cansada, mantive os passos rápidos pelas calçadas. Provavelmente eu não estaria naquele estado se tivesse ido cedo para a cama na noite anterior. De alguma forma, nos últimos dias, me recolher para dormir cedo se tornara uma tarefa não tão comum e corriqueira quanto sempre fora.
Meus dentes do maxilar já batiam freneticamente nos da mandíbula quando cheguei em frente à entrada do The Times. Usei minha mão livre para empurrar a grande porta de vidro, entrando no amplo hall logo em seguida. A sensação de mudança de temperatura entre os ambientes podia ser considerada aconchegante. Deixei o guarda-chuva no balcão da recepção, para que ele pudesse ser colocado junto à chapelaria. Sorri para o recepcionista e assinei minha presença no grande livro negro.
VOCÊ ESTÁ LENDO
1950 • h.s
FanfictionQuando um concorrente a colunista de um dos maiores jornais britânicos da década de cinquenta se mostrara uma ameaça para a candidatura da determinada jornalista Heaven Bryer, todas as estratégias lógicas da moça para conquistar o tão desejado cargo...