Prólogo

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Em meio à tempestade que molhava seu rosto, Nina caminhava alheia a tudo, indiferente à chuva
pesada que lhe ensopava o corpo, aos trovões que rugiam iluminando o céu de quando em quando,
misturando as lágrimas que embaçavam sua visão com a torrente incontida da tormenta.

É que a tempestade interior irrompia mais forte do que a de fora, e ela não conseguia acalmar seu
coração tumultuado e aflito.

Na rua não havia ninguém. Até os carros haviam parado, esperando que a tempestade amainasse. Ela, porém, continuava andando, como se aquele andar fosse imperioso e inadiável.

Por trás das vidraças embaçadas, alguns rostos assustados, vendo-a passar, lançavam olhares
temerosos, intimamente indagando por que ela enfrentava a tempestade.

Nina, porém, voltada para seu drama interior, continuava caminhando, tendo consciência apenas de sua dor. Dentro de seu coração, a revolta, a raiva, o inconformismo por tudo que a vida estava lhe negando como se ela fosse menos, não merecesse a felicidade.

Ela parou um momento e cerrou os punhos com força, dizendo baixinho:

- Eles não vão me vencer! Eu ainda estou viva. Daqui para a frente, tudo vai mudar. André não
será feliz com ela.

A visão dos dois abraçados e sorridentes surgiu novamente, e ela gritou desesperada:

- Vou ter meu filho e viver para minha vingança, eu juro! Eles não perdem por esperar.

Um relâmpago mais forte iluminou seu rosto naquele momento, mostrando sua fisionomia
contraída, pálida, sofrida. Ela sentiu como se as forças da natureza estivessem confirmando seu
juramento.

Suas lágrimas cessaram. Precisava poupar as forças, pensar no que fazer, como enfrentar os cinco
meses que faltavam para a criança nascer.

Olhou o céu cinzento e escuro no prenúncio da noite que se aproximava. A chuva havia passado
Decidiu ir para casa. Seu rosto estava pálido porém sem lágrimas. Havia chorado tudo que podia.
Sentia um vazio dentro do peito mas ao mesmo tempo uma força nova.

Entrou na pequena e graciosa casa onde residia disposta a arruinar suas coisas. Pretendia ir embora
no dia seguinte. Quando André a procurasse, não mais a encontraria.

Pediria demissão do emprego na manhã seguinte e iria embora. Possuía algumas economias que a
ajudariam a viver modestamente até seu filho nascer. Enquanto isso, resolveria que rumo dar à
vida.

Conhecera André havia três anos. Quando ele a cortejou, ela já estava apaixonada. Ele era de
família abastada e estava se formando em advocacia. Trabalhava no escritório do tio, um advogado
famoso e conceituado.

Nina recordou-se da felicidade que haviam desfrutado juntos, da casa que ele havia alugado, onde
ela passou a residir e ele ficava a maior parte do tempo.

André pedira-lhe segredo, alegando que sua família não queria vê-lo casado antes de formar-se e
ganhar o suficiente. Prometera-lhe que logo depois da formatura formalizaria o compromisso.

De cima da mesinha-de-cabeceira, Nina apanhou um porta-retratosem cuja foto André sorria feliz.
Disse com voz fria:

- Traidor! Agora que se formou, escolheu Janete para casar-se. Chegou a pedir que eu abortasse.
Falou em ilusão da juventude, disse que eu devia esquecer, como se o passado fosse nada.
Aconteceu ontem, e hoje eu os vi juntos, aliança nos dedos, olhando-se com amor.

Colocou o porta-retratos no lugar e continuou:

- Pois você está enganado, André! Não vou esquecer nunca! Eu o amei com toda a pureza do meu
coração. Eu me entreguei de corpo e alma a esse sentimento e você jogou fora, como se eu não
existisse como se tudo fosse mentira. De agora em diante vou me lembrar de tudo, todos os dias.
Vou viver cada minuto pensando em mostrar a vocês que eu sou gente, sou pessoa, e que não
podem me descartar como um objeto usado inutil.

Decidida, abriu o armário, apanhou uma mala e começou a arrumar suas coisas. Passava da meia-
noite quando deixou tudo pronto para a mudança. Só ia levar roupas e objetos pessoais. O resto
ficaria para André decidir.

Ele lhe dissera que continuaria pagando o aluguel e as despesas da casa e que ela poderia ficar
despreocupada. A esse pensamento, Nina trincou os dentes com força. Nunca aceitaria essa
migalha. Era forte e inteligente o bastante para manter-se. Na manhã seguinte, depois de demitir-se
do emprego, iria ao pensionato das freiras conseguir uma vaga. Trabalharia a troco de casa e
comida até ter o filho. Ficaria lá até resolver o que fazer. Guardaria suas economias para mais tarde.

Sentiu o estômago doendo e lembrou-se de que não havia comido nada o dia inteiro. Foi à cozinha,
fez um lanche reforçado e comeu. Precisava cuidar da saúde. Dali para a frente só poderia contar
consigo mesma.

Lembrou-se dos pais. Eles não sabiam de nada. Melhor assim. Saberiamn quando fosse oportuno.
Moravam no interior de Minas Gerais, e Nina preferia poupá-los.

Quando se deitou, ela esforçou-se
para não pensar em mais nada. Qualquer lembrança triste minaria sua força; precisava dela para
sobreviver.

Assim, decidida a reagir, deitou-se e, mantendo o firme propósito de não pensar em nada, logo adormeceu.

Uma Amor de VerdadeOnde histórias criam vida. Descubra agora