Sentados em um lugar discreto em uma casa de chá, Nina esperava que Antero entrasse no assunto
O chá acompanhado de algumas guloseimas fora servido e, depois dehaverem tomado alguns goles,
Antero tornou:— Apesar de você me haver dito que havia me contado tudo sobre Antônia, sinto que há alguma
coisa mais que não teve coragem ou nãoquis me contar.
Nina ia responder, porém ele não lhe deu tempo e continuou:— Antes de dizer qualquer coisa, quero fazer uma confissão. Eu me apaixonei pela minha prima e
teria me casado com ela se me houvesse aceitado. Mas ela recusou. Percebi que não me amava
como eu pensava.
Havia tanta tristeza na voz àele que Nina não se conteve:
— Você foi o único e grande amor da vida dela.
Antero segurou a mão de Nina com força:
— O que está dizendo? Como sabe disso? Ela lhe falou sobre mim?
— Sim. Mas continue. No final lhe contarei tudo.
— Eu sofri muito acreditando que ela não me queria. Eu estava noivo, conhecia Glória desde
criança, nossas famílias desde cedo apoiaram nosso namoro. Quando ela foi embora, procurei
reagir, dediquei-me a Glória e casei-me com ela.
Antero fez ligeira pausa e notando que Nina ouvia com atenção continuou:
— Minha mãe disse que ela decidiu deixar nossa casa porque querïa ser livre para levar uma vida
desregrada. Claro que não acreditei. Apesar do que houve entre nós, eu sabia que era uma moça
direita. Imaginei que ela houvesse se apaixonado por outro e tivesse ido embora com ele. Confesso
que foi difícil para mim imaginá-la nos braços de outro. Mas esforcei-me para esquecer.
— Você não a viu mais?
— Uma tarde, quando fui com Glória visitar minha mãe, ela estava no portão. Mas, assim que me
viu, foi embora correndo. Eu queria ir atrás dela, saber se estava bem, Mas minha mãe impediu.
Não a vi mais.
— Então aconteceu o suicídio. Você não foi ao velório.
— Estava viajando. Minha mãe não me avisou. Fiquei sabendo alguns dias depois, quando
regressei. Até hoje não me perdôo por não ter ido atrás dela naquela tarde.
— Sei como é isso. Tenho o mesmo sentimento. Não sei como vai reagir ao que vou lhe contar.
Antes preciso dizer que a morte de Antônia tem me conduzido por um caminho que nunca
imaginei.
— Como assim?
— Tentarei explicar. Um caminho do qual tentei fugir mas agora, depois do que aconteceu, sinto
que daqui para a frente terei que enfrentar.
— Não estou entendendo aonde quer chegar.
— Antes devo esclarecer que, embora eu intuitivamente imaginasse que a alma de quem morre
deveria ir para algum lugar, nunca pensei que pudesse se comunicar conosco.
— Há quem acredite que os espíritos dos que morreram podem voltar para conversar. Por acaso...
Antônia...
— Sim. Ela tem me aparecido em sonhos, pedindo ajuda. Vou contar-lhe como foi.
Nina falou sobre o Dr. Dantas, sua família, especialmente sobre Marta, e narrou tudo quanto
Antônia lhe havia dito através de Marta. Não ocultou nada. Quando mencionou o filho, Antero não
conteve a emoção. As lágrimas desciam pelo seu rosto sem que ele conseguisse evitar.
Nina falava baixinho, sensibilizada pelo momento, escolhendo as palavras com cuidado. Antero
ouvia atento o que ela dizia e a certa altura apanhou um lenço tentando enxugar as lágrimas que
teimavam em continuar caindo.
Nina fez uma ligeira pausa, depois disse:
— Não sei se estou fazendo bem em contar-lhe tudo isso, mas Antônia pediu ajuda para Eriberto.
Não tenho como ajudar, mas você, que é o pai dele, pode fazer isso. Infelizmente sua mãe não
aceita esse menino. Ela me procurou para entrar na justiça e provar que ele não tem direito a nada.
— Meu pai deveria ter me contado tudo. Minha mãe tem um gênio forte, está sempre reclamando.
Meu pai é muito diferente. Eu pensei que a adoção do menino havia sido uma forma de compensar
sua afetividade.
— Pelo que sei, ele prometeu a Antônia, jurou que nunca lhe contaria nada. Ela não queria
atrapalhar sua felicidade.— Ela não queria mas atrapalhou. Eu a amava de verdade. Se houvesse se casado comigo, nada
disso teria acontecido. Hoje estaríamos juntos, felizes, criando nosso filho.
— Antônia estava insegura, era inexperiente, adorava o tio, sabia que sua mãe não aceitaria o
casamento de vocês, não desejou ser instrumento de desentendimento da família.
— Tem razão. Ela era muito tímida. Vivia em nossa casa contra a vontade de minha mãe, que não a
poupava. Ao contrário, não perdia chance de diminuí-la mesmo diante das pessoas. Eu também fui
fraco. Aceitei a decisão dela como falta de amor, sem me lembrar das inúmeras provas de afeto
que havia me dado.
— Agora, tudo isso acabou. Você tem sua vida com sua esposa e precisa virar essa página.
— Há Eriberto. Ele é meu filho. Algumas vezes notei sua semelhança com Antônia, os mesmos
olhos negros e brilhantes, o mesmo sorriso. Mas nesses momentos eu pensava estar fantasiando.
— O que pensa fazer?
— Assumir a paternidade. Eu posso, devo e quero cuidar dele.
— Quando eu soube a verdade, não pensei em procurá-lo. Fiquei apreensiva porquanto desejava
atender ao pedido de Antônia mas não sabia como. O assunto é delicado. Eu não queria procurar
vocês e contar essa história. Não sabia como reagiriam. Tanto Mercedes como Marta me
acalmaram dizendo que eu não precisaria fazer nada. Que, se a espiritualidade nos mostrara a
verdade, eles nos proporcionariam as condições de ajudar. Confesso que não acreditei muito nisso.
Mas, quando nos encontramos naquela loja de forma tão inesperada, compreendi que era com você
que eles queriam que eu conversasse.
— É verdade, sem falar que eu não costumo andar pela cidade naquele horário. Pensei que nosso
encontro havia sido obra do acaso, mas agora percebo que uma força maior nos uniu.
Antero calou-se emocionado e Nina sentiu-se sensibilizada também.
— Estou descobrindo que a vida tem recursos que eu nunca havia imaginado e, que ao nosso lado
há sempre um amigo espiritual nos inspirando. E o que Marta sempre diz. Isso nos conforta.
— O que me conforta é saber que Antônia, apesar de seu ato de loucura, continua existindo em
outro lugar, sentindo o mesmo amor que sentia por mim e por nosso filho.
— Já pensou como vai fazer para assumir a paternidade de Eriberto? Vai criar um problema com
sua esposa, e com sua mãe.
— Aconteça o que acontecer, terei que enfrentar. Errei muito com Antônia, estou pagando alto
preço por isso. Não posso continuar omisso e errar com Eriberto. Estou decidido, mas preciso
pensar em como fazer, que providências tomar. Preciso abrir um processo de reconhecimento de
paternidade.
Como advogada, o que me aconselha?
— Primeiro, conversar com sua família. Eles precisam saber a verdade.
— Poderia falar com papai. Mas tenho quase certeza de que ele não vai concordar, para poupar
Glória e mamãe. Ele odeia discussões, ao contrário de mamãe, que parece estar sempre brigando
com tudo e todos.
— Posso fazer uma sugestão?
— Claro. Será um favor.
— Gostaria de apresentá-lo ao Dr. Dantas e família. Eles estão acompanhando o caso e, além da
experiência de vida que possuem, Marta poderá pedir orientação espiritual.
— Eu adoraria. Quando poderemos ir?
— Falarei com eles ainda hoje.
— Gostaria de ir vê-los esta noite. Sinto vontade de ir até a casa de meus pais, abraçar meu filho,
levá-lo para minha casa. Sei que não devo fazer isso. Ele tem seis anos apenas, não desejo perturbá-
lo.
— Precisa controlar a ansiedade. O bem estar dele deve estar em primeiro lugar.
— Eu sei. Acontece que sempre desejei ter filhos. Nestes sete anos de casamento minha esposa teve
dois abortos espontâneos. Na última vez, Glória correu sério risco de vida e, embora ela queira muito ter um filho, tenho procurado evitar. Pensei que nunca pudesse ser pai. Mas hoje descobri
que tenho um filho, um menino lindo, saudável, inteligente. Fica difícil controlar o entusiasmo.
— Esperar um pouco mais não vai prejudicar. O importante é saber como conseguir o que pretende
sem criar problemas maiores. Vou conversar com meus amigos e ligarei para você assim que tiver a
informação. Agora preciso ir. Meu filho está me esperando.
— Está certo. Posso deixá-la em casa.
— Não é preciso. Meu carro está no estacionamento perto do escritório. Ficarei lá.
Ele pagou a despesa e saíram. Dentro em pouco ele a deixou na porta do estacionamento. Ao
despedir-se, segurou a mão dela com carinho dizendo:
— Obrigado por tudo que tem feito por mim e por Antônia. Deus a abençoe.
Nos olhos dele havia o brilho de uma lágrima. Nina sentiu um calor brando no peito, sorriu e
respondeu:
— Não agradeça. Com tudo isso, tenho aprendido mais do que você.
Ele se foi e Nina, uma vez no carro a caminho de casa, não conseguia esquecer aqiele encontro. Por
que a vida a colocara diante daquele caso? Por que a fizera presenciar a emoção de um pai que não
sabia da existência do filho, sua alegria, sua vontade de cuidar dele?
Suspirou pensativa. André passara pela mesma coisa e reagira da mesma forma. O caso fora
diferente. Ela havia sido abandonada enquanto Antônia havia se recusado a casar com Antero. Mas,
salvo esse detalhe, ambos estavam passando pelo mesmo problema.
André também não tinha filhos com Janete. Diziam que era ela quem não queria. De certa forma,
esse fato a deixava satisfeita, porquanto ele a desprezara por causa de uma mulher aparentemente
estéril.
Pensando bem, talvez fosse melhor que ele houvesse tido filhos, assim não ficaria tanto atrás de
Marcos. Mas ao pensar nisso sentiu um aperto no peito. Era-lhe prazeroso perceber o interesse dele
pelo filho.
Sentiu uma ponta de remorso. Estaria fazendo bem impedindo Marcos de conhecer o pai? Não
estaria agindo apenas pelo desejo de vingança? Se um dia ele descobrisse que o pai estava vivo e
que ela o impedira de vê-lo, aprovaria?
A esse pensamento, Nina estremeceu. Ele nunca poderia saber a verdade. Ela o ensinara a ser
verdadeiro em quaisquer circunstâncias. Seria terrível saber que ela ocultara um assunto tão grave
que dizia respeito a sua vida.
Por que fora envolver-se nesse caso de Antônia? O melhor seria apresentar Antero aos amigos e
deixar que eles o orientassem. Era o máximo que poderia fazer. As providências que Antero iria
tomar eram problema dele com a família. Depois das apresentações, daria sua parte por encerrada.
Decidida, assim que chegou em casa ligou para Mercedes informando-a de tudo, finalizando:
— Antero deseja conversar com vocês, pedir orientação espiritual. O que direi a ele?
— Traga-o amanhã a nossa casa, às sete e meia.
Mas amanhã é dia da sessão. Não seria melhor outro dia?
— Não. Marta está me dizendo que é para vocês virem amanhã à noite.
— Eu também?
— Os dois.
Nina hesitou um pouco, depois disse:
— Está bem. Falarei com ele. Se aceitar, iremos.
— Estaremos esperando. E importante que ambos compareçam.
Depois que desligou o telefone, Nina ficou indecisa. Sabia que André costumava freqüentar essa
reunião. Não queria encontrar-se com ele. Por mais que se distanciasse, os fatos pareciam colocá-
los frente a frente.
A maneira incisiva com que Mercedes falara a fizera entender que precisava acompanhar Antero.
Por outro lado, seria melhor enfrentar André, mostrando-se indiferente.
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Uma Amor de Verdade
SpiritualLivro de 2004 André e Nina se conheceram na faculdade e durante três anos foram felizes, até André resolver casar-se com Janete, uma moça da sociedade, amiga de sua mãe, deixando Nina grávida e desamparada. Num instinto de vingança, Nina desaparece...