Capítulo 23

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Nina e Antero acomodaram-se e ele esclareceu:
— Eu vim pedir orientação espiritual sobre o problema de Glória, minha mulher, mas aquele
espírito que se comunicou durante a sessão contou uma história que me pareceu familiar. Acho que
tem a ver com nós dois.
— Tem sim, Antero — respondeu Marta. — Os problemas de Glória com a maternidade são
conseqüência de suas atitudes em uma vida passada quando ela se chamava Marina.
— Eu tive ea impressão, mas ela é muito diferente dessa que ele descreveu. Glória é uma mulher
discreta, fiel, devotada ao lar, nunca seria uma prostituta.
— Naquele tempo ela foi, sofreu, amadureceu, hoje ela não o faria. Se você prestar atenção notará
que, apesar da vida recatada que leva desta vez, há momentos em que ela demonstra no trato
afetivo, tanto no campo sexual como no familiar, um conhecimento surpreendente para uma jovem
ingênua e inexperiente.
— Isso é verdade. Quando fala sobre prostitutas nunca critica, mas ressalta os problemas que elas
devem estar enfrentando. Acaba sempre dizendo que nunca suportaria viver dessa forma.
— E que os sofrimentos daqueles tempos ficaram gravados no seu inconsciente, influenciando suas
atitudes atuais.

— O que me impressionou foi o que aquele espírito disse, Por duas vezes foi impedido de nascer.
Glória teve dois abortos involuntários. Sofreu muito, correu até risco de vida, tanto que eu decidi
não pensar em ter filhos para poupá-la. Mas ela ficou desequilibrada e de tanto querer esse filho
está com gravidez psicológica. Era sobre isso que eu queria pedir orientação. Não sei como ajudá-
la. Ela não ouve. Garante que está grávida, embora os exames médicos atestem que não. O tempo
todo fala do nosso bebê, do quarto dele, do nome, das roupas. Eu tento mostrar-lhe a verdade, mas
é inútil.
— O espírito que estava ao lado dela cobrando sua promessa a estava influenciando. Agora que ele
entendeu e aceitou afastar-se para tratamento, penso que ela vai sair desse processo. Quanto a você,
não se culpe por não ter se casado com Antônia. Infelizmente ela não teve paciência de esperar.
Você tinha se comprometido com Marina, não por amor, mas por sentir-se culpado. Aconteceu
quando vocês eram muito jovens. Depois de conquistá-la, provocou sua primeira gravidez, mas não
assumiu. Abandonada, ela provocou o primeiro aborto. Mais tarde, depois de ambos
desencarnareim, quando se encontraram no astral, ela estava em estado deplorável, infeliz,
vampirizada por entidades maldosas. Penalizado, você sentiu culpa e prometeu ampará-la nesta
encarnação oferecendo-lhe um nome para que ela pudesse resgatar sua dignidade ferida de mulher.
— Mas, se Antônia houvesse esperado, era com ela que eu me teria casado. Eu a amava de verdade.
— Antônia se afastou de você porque sentiu que não podia separá-lo de Glória. Se ela houvesse
esperado, seu compromisso com Glória acabaria e vocês poderiam se unir.
— Eu abandonaria Glória por causa de Antônia?
— Não. A vida une as pessoas por certo tempo para atingir seus objetivos. Quando consegue o que
quer, provoca naturalmente as mudanças. Os relacionamentos são temporários. Quando acabam,
dói, mas apesar disso é melhor aceitar, perceber que é hora de deixar ir. Antônia não suportou
perder você e o filho. Se ela houvesse esperado, vocês teriam um tempo para se relacionar.
— Se ela houvesse ficado com o menino talvez não tivesse feito o que fez.
— E difícil saber. Mas ela não confiava em si mesma. Teve medo de não conseguir cuidar dele
sozinha, As palavras de seu pai a convenceram e ela se sacrificou pensando no bem do filho.
— Essa atitude era bem dela. Antônia gostava de sacrificar-se pelos outros. Minha mãe é o oposto
dela. Tem um temperamento autoritário, ríspido, mas Antônia suportou bem essa convivência.
Nunca se queixou, fazia tudo para não a desagradar.
— Os pais a mimavam muito. Quando os perdeu, ficou sem chão. O mimo enfraquece e torna a
pessoa dependente. Ela acreditava que, sendo boazinha, conseguiria ser aceita, amada. Mas estava
errada. Quem violenta seus verdadeiros sentimentos para agradar os outros sente insatisfação, um
vazio no peito, provocados pela sua alma, que está sufocada e deseja agir de acordo com o que
sente. E um conflito doloroso. Por isso ela chegou ao suicídio.
— Não, Antônia chegou a isso por ser fraca. Quando o problema apareceu, ao invés de usar sua
força para enfrentá-los, assumir sua vida, levar para a frente, preferiu colocar-se na posição de
vítima, como se não tivesse nenhuma responsabilidade pelos problemas que estava enfrentando.
— Ela não teve culpa de haver sido mimada pelos pais-defendeu Antero.
— A história de Antônia se perde no tempo. Começou quando ela pertenceu a uma família nobre e
habituou-se a ver todos os seus desejos satisfeitos. Gostou de manipular os outros, de viver na
indolência, sendo carregada de um lado a outro pelos vassalos sentada em cadeirinhas luxuosas ou
nos macios coxins de seus cavalos. Depois de algumas vidas assim ela acabou ficando paralítica.
Nem no astral conseguia movimentar-se.
Todos ouviam atentamente. Marta falava com uma voz diferente, andando de um lado a outro,
olhos perdidos em um ponto indefinido. Eles sabiam que era outra pessoa quem falava através dela.
— Foi castigo? Indagou Antero.
— De forma alguma. Deus não castiga ninguém. Foi escolha dela. A natureza tem suas leis e todos
temos de respeitá-las. Tudo no universo se movimenta, cumprindo a sua tarefa. Ela preferiu ser
servida. permanecer na preguiça, na indolência, e acabou lesando os centros motores do corpo astral, então as conseqüências apareceram. Sofreu muito porque sem poder se mexer foi obrigada,
mesmo tendo posição e dinheiro, a suportar os maus-tratos de pessoas assalariadas que abusavam
porque ela dependia fisicamente deles.
— Quanto sofrimento! — comentou Antero.
— Foi mesmo. Quando chegou ao astral, conhecendo a causa disso, ela decidiu reagir. Pediu para
nascer pobre. Queria trabalhar, vencer esse estado, Preparou-se durante algum tempo, recebeu
auxílio e nasceu em um lar pobre mas foi recebida com carinho pelos pais. Contudo, não tinha
saúde. Suas pernas eram fracas, ela não conseguia manter-se sobre elas. Então começaram os
mimos. Seus pais a tratavam como incapaz. Assim, ela, que gostava de acomodar-se, encontrou
jeito para isso. Bem, com o tempo, ela se curou do antigo problema e, desta vez, nasceu fisicamente
saudável, mas intimamente acreditando que era fraca, incapaz, que precisava do apoio dos outros
para sobreviver. Não confiava na própria força. Eis, em resumo, a história de Antônia.
— E agora, o que será dela? O suicídio foi um erro.
— Ela agiu contra a vida. Isso é grave. Mas a bondade divina não abandona ninguém. O problema
é que ela fugiu do tratamento. Enquanto não se conscientizar de que possui força suficiente para
cujdar de si mesma, acreditar na vida, não conseguirá equilibrar-se.
— Então é verdade — interveio Nina. Eu sonhei esta noite com uma pessoa que me contou.
— Fui eu.
— Você? Pediu-me para ajudá-la, mas não sei o que fazer.
— Saberá no momento oportuno. Preciso ir. Peço que orem por ela, para que se acalme e volte ao
tratamento.
— Penso que não estou em condições de ajudar ninguém. Não consigo sequer resolver os meus
problemas — respondeu Nina.
— As situações que a vida cria trazem oportunidades de resolvermos velhos assuntos que ficaram
para trás. E o faz quando estamos preparados para vencê-los. Pense nisso e não perca nenhuma
delas.
Nina baixou a cabeça, pensativa. Antero perguntou:
— Como posso ajudar Glória?
— Compreendendo o momento que passa. Confie e espere. Fique atento também para aproveitar as
oportunidades que virão. Lembrem-se todos que em qualquer situação o importante é agir dentro
dos valores eternos do espírito. Que Deus os abençoe.
Marta sentou-se, passou a mão na testa, depois disse:
— Mamãe, pode arranjar-me um copo de água?
Mercedes levantou-se e foi buscar. O Dr. Dantas considerou:
— Vamos orar em silêncio e agradecer a Deus por havermos recebido tanto nesta noite.
Enquanto Marta tomava água eles permaneceram silenciosos, cada um pensando nos
acontecimentos da noite. Depois, despediram-se. Uma vez no carro, Antero não se conteve:
— Estou impressionado. Nunca pensei que a vida fosse assim. Sinto como se estivesse descobrindo
um mundo novo, mais coerente, mais justo. Depois do que ouvimos fico me perguntando: como foi
que cheguei onde estou? Como me envolvi com Antônia e Glória?
— A julgar pelo que Marta nos disse, o acaso não existe. Os relacionamentos obedecem a uma
causa anterior. Gostaria de saber se é assim em todos os casos ou se há outros motivos.
— Deve haver, senão estaríamos sempre com as mesmas pessoas.
— Marta me disse certa vez que durante nossa vida vamos adotando crenças falsas, que nos
parecem verdadeiras, sem ir a fundo e verificar se elas são o que parecem. Fazemos delas regras
que adotamos no dia-a-dia, brigamos por elas sem perceber que estão nos levando a atrair a
infelicidade. Se alguém tenta provar que são falsas, ficamos irritados, não queremos ver.
— Isso é verdade. As vezes sinto isso quando converso com minha mãe. Ela tem algumas crenças
que a fazem agir de uma forma desagradável, que acaba sempre lhe criando problemas. Mas ela se
nega a ver.

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