Kim

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O despertador do celular gritava pela segunda vez. Taehyung caçou o aparelho que fazia escândalo embaixo do travesseiro — local onde foi abandonado após a primeira vez que tocara — e tateou a senha de desbloqueio com dificuldade. Taehyung odiava acordar cedo, mais do que odiava salsinha aparente na comida.

O celular foi silenciado definitivamente, o que significava que precisaria levantar para mais uma jornada dura de trabalho e, agora, estudo. Grunhia como um animal moribundo contra o tecido da fronha, cumprindo o ritual matinal de desespero de levantar.

A cabeça se negava a começar a trabalhar. O soninho vinha morfético levar-lhe embora mais uma vez, para o mundo quentinho dos lençóis aconchegantes. Sentia os olhos, que sequer foram abertos, começarem a pesar novamente. O bico revoltado de sono mantinha-se completamente vivo em seus lábios. Hum... que gostoso estava, sentir seu corpo se entregar ao seu desejo de mandar o mundo explodir e dormir até os olhos incharem.

No entanto, o maldito celular tocou uma terceira vez, só que agora por conta de um aplicativo que baixara para se obrigar a levantar, já que conhecia sua adicção pela função soneca. O som estridente e irritante só poderia ser desligado depois do usuário resolver três contas matemáticas simples. E mesmo que desligar o celular adiantasse — e não adiantava —, só o esforço de achar o botão de desligar já o faria despertar.

— Merda de celular — resmungou, enquanto tentava focalizar as contas de soma e subtração que desbloqueariam o alarme. — Inferno, caralho...

O celular foi silenciado e Taehyung resmungou quando podia quase ver o mensageiro de Morfeu se afastar de si, levando seu sono gostoso e deixando apenas a preguiça mortífera de viver.

Espreguiçou na cama ainda tentando retomar qualquer indício de consciência clara e coesa. Todos os dias eram assim, acordar era como um parto e por isso Taehyung acreditava que os bebês se esqueciam do momento do nascimento, já que o nascimento significava para si a primeira vez em que você acorda para o mundo e para a vida fria, iluminada e cruel, sendo retirado do quentinho e confortável mundo imaginário dos sonhos dentro do saco gestacional.

Nascer era horrível. Acordar era pior ainda. Acordar era nascer de novo todas as manhãs e com consciência e memória desse momento traumático, além de não poder chorar como um bebê revoltado por ser retirado de seu habitat natural.

Sentou-se na sua cama-colchão e bocejou audível, coçou os olhos, a nuca e o saco. Voltou a se espreguiçar antes de caçar a samba canção verde limão esquecida no chão. Vestiu-a com toda a preguiça que existia em seu corpo e que lutava para não lhe deixar. Tadinha dela, só queria viver mais um pouco e Taehyung faria de tudo para lhe manter viva por mais alguns momentos, antes de lhe expulsar como uma visita chata.

Abriu a porta, bocejando novamente e arrastando os pés de manhã — era impossível levantá-los, algo magnético que ligava os pés ao centro da Terra que talvez a física conseguisse explicar —, encaminhou-se até a mesa de jantar, que agora era mesa de café da manhã. Coçava a nádega direita por dentro da samba canção quando viu a tia na cozinha.

— Bom dia — disse em meio a mais um bocejo.

— Tire a mão da bunda — ela retrucou com o típico mau humor, mas, no caso dela, não era matinal.

— A bunda e a mão são minhas, que porra, cuide da sua vida e da sua própria bunda. — Sentou-se jogado na cadeira e deixou que a cabeça pendesse até o móvel, chocando sua testa com a superfície dura do móvel de madeira compensada.

Queria desistir da vida naquele momento e fugir, talvez virar um andarilho que vende miçangas na praia. Talvez sua personalidade combinasse com dreads e chinelos sujos de areia. Mas a realidade era dura e cruel, assim como os boletos que chegavam por conta do início do mês.

HimOnde histórias criam vida. Descubra agora