O Último Conto

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Ele já estava cansado de todos os meses viver a mesma situação crítica. Trabalhava muito, mas o dinheiro nunca era suficiente para pagar todas as contas. Sempre era aquela preocupação de como faria para saldar as dívidas.

Sua esposa nunca lhe exigia nada, mas ele tinha plena consciência da situação precária em que vivia.
Ele trabalha das 7 da manhã até 19, às vezes até 20 ou 21 horas da noite, naquela gráfica.
Seu trabalho como impressor era desgastante, chegava em casa e mal tinha animo para tomar um banho e jantar. Estava quebrado. Cansado.

E como distração escrevia crônicas, poemas e contos.
Ás vezes publicava um ou outro no jornal da cidade, mas nunca recebia por isso.
Um certo dia, ele chegou ao limite de sua pobreza e viu com muita tristeza que nada havia para alimentar sua família. Nesse dia ele chorou muito, não porque não tinha dinheiro, não chorou por ele, mas pela sua esposa e filhos, pobres crianças inocentes.

Ao se deitar, ao orar antes de dormir um sentimento de revolta o dominou, uma mistura de raiva e decepção. Sua revolta era com Deus, com os céus e nesse momento de raiva ele maldizeu a tudo e ofereceu a única coisa que ele tinha em troca de riquezas. Ele não sabia exatamente o que estava dizendo e o que poderia acontecer em função disso.

Toda ação tem uma reação, assim funciona tudo aqui na nossa vida.
Se deitou e dormiu. Um sono perturbado. Pesadelos. Com imagens que o assustaram.
Acordou cansado, assustado e com medo. Se lembrou da sua revolta e das palavras que disse antes de se deitar.

Foi para o trabalho. O dia foi puxado e demorou a passar.
Naquele dia não havia trabalho extra a fazer. Ás 18 horas todos deixaram a gráfica e foram para casa.
O caminho até sua casa demorava bem uns 40 minutos que ele percorria a pé todos os dias.
Ele se arrastou por ele até que em determinado ponto um carro negro parou a seu lado. Ele continuou caminhando quando ouviu uma voz rouca o chamar pelo nome completo. Ele então se virou e viu que voz estranha vinha de um homem que ele nunca havia visto.

O tal homem estava no banco de trás, usava um terno preto e óculos escuros, era branco, e fez sinal para que se aproximasse abrindo a porta.
Um arrepio passou pelo seu corpo todo. Sentiu um frio percorrer sua espinha.
Lembrou-se da sua revolta e suas palavras vieram novamente à sua mente.

Como que se estivesse hipnotizado entrou no carro e sentou-se ao lado do tal homem que sorriu de modo estranho e tirou os óculos. Seus olhos eram vermelhos e penetrantes.

- Então está mesmo disposto a trocar sua alma pela riqueza meu amigo?

- Faria mesmo isso? Para isso estou aqui.

Quando o homem vestido de negro falou essas palavras, aquele sujeito miserável saiu de seu transe hipnótico. Sentia medo ainda, mas uma visão veio em sua mente, sua esposa e filhos famintos. Sem dinheiro todo mês.

- Sim, estou disposto a isso.

O homem de negro soltou uma gargalhada sinistra e ficou imediatamente sério novamente.

- Pois bem, sou editor de livros e sei que você escreve crônicas, poemas e outras coisas.

- A partir de hoje escreverá contos de terror. Vamos publicar seus livros e você ficará rico, muito rico.

Após falar isso pegou uma pasta e tirou dela alguns papéis. O contrato, o pacto, o acordo.
Passou a ele a folha e um estilete. Ele sabia o que devia fazer. E fez.

- Por 25 anos escreverá e será muito famoso no meio literário, seus livros serão lidos pelo mundo todo, mas daqui a 25 anos escreverá seu último conto e o nosso pacto será cumprido. - O homem de negro retirou da carteira uma boa quantia em dinheiro e o entregou. Um adiantamento.

A porta do carro então se abriu e ele se despediu com um aperto de mão gelado. O carro partiu e ele ficou ali parado pensando na cena toda. Riu um sorriso amarelo cheio de medo e dor. Mas já estava feito.
Ele chegou em casa e relatou que um livreiro havia descoberto seu talento e que a vida deles mudaria. E realmente mudou. A miséria acabou. Seus livros vendiam muito. Ele saiu da obscuridade para a fama. E o tempo foi passando. Dias, meses e anos. Muito rápido.

Toda noite ele escrevia um, dois, três contos de terror. Era como se alguém ditasse para ele.
Quando ele lias os livros depois de publicados se assustava com as maldades que escrevia. Ele sabia que não era exatamente escrito por suas mãos e que sua mente não criara aqueles textos, mas os leitores devoravam. Compravam livros e ele se enriquecia dia após dia.

25 anos se passaram. Em uma noite fria quando ele caminhava durante a noite, o mesmo carro negro parou a seu lado.

- Entre. - Ele ouviu e reconheceu aquela voz rouca e tétrica. Ele sabia para era aquele encontro.
Mas combinado não é caro nem barato. Ele tinha de cumprir o pacto.

Entrou e sentou encarando o homem de negro, que estava exatamente como há 25 anos atrás.
Ele porém, havia envelhecido como é natural ao ser humano, mas o homem de negro não.

- Pois bem, é chegado o tempo, mais alguns meses e volto para receber minha parte do pacto.
Mas antes você terá um trabalho a cumprir. Deverá escrever o último conto.
Nele você relatará desde sua vida miserável, passando pela noite em que você se revoltou e até nosso encontro.
Tenho certeza que conseguirá escrever cada linha, pois é sua vida.
Após isso seu último livro de coletâneas será lançado, eu te levarei e sua família permanecerá bem amparada pelo resto dos dias.

Assim foi feito, ele se sentou certa noite e transcreveu tudo o que ocorreu na sua vida, cada detalhe, seus medos, suas dores, seus sentimentos mais sinistros. Explicou que aquele era seu último conto e que o terror maior de sua vida estava prestes a acontecer.
Ao amanhcer sua esposa o encontrou pendurado em uma grossa madeira do teto.
Seus olhos arregalados e sua lingua pendia enorme e roxa de sua boca.
Sobre a mesa o manuscrito do último conto com um bilhete pedindo para que sua esposa procurasse a editora para que pudesse ser publicado juntamente com os outros manuscritos que fechavam seu último livro. Aquele era seu último conto. Seu último livro.

O pacto foi cobrado.
Até hoje seus livros são publicados. E vendem muito.
De repente você já tenha lido um deles.

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