Resignação

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Então era assim que as coisas funcionavam na chapa do PT à presidência, a vice jogava a bomba no colo do candidato principal e simplesmente desaparecia.

Fernando Haddad não a encontrou em casa. Com cara de poucos amigos, o porteiro do condomínio avisou que a Doutora Manuela saiu com a família e não deixou recado para ninguém.

" Deixa uma mensagem no celular." -Recomendou.
Haddad deixara doze avisos.

" Quando ela chegar, por favor, diga que estive aqui - Isso é... Se eu ainda estiver vivo quando Manuela voltar !" - Sorriu em amarga ironia.

Desceu os degraus da recepção, encarando a rua com um terrível sentimento de impotência. Não era de sua natureza simplesmente aceitar as dificuldades que surgiam.

Conferiu o relógio no pulso. Nove horas da manhã... Não tinha coragem de voltar para casa... Certamente estava prestes a ceder a uma chantagem espúria e sórdida demais... Com que cara olharia para a mãe de seus filhos?

" Eu preciso pensar melhor... Eu preciso de uma bebida..." - Decidiu.

**

O bar estava sendo lavado quando Haddad perguntou pelo proprietário. Três camaradas de chinelos e mangas arregaçadas esfregavam o chão, um deles correu a chamar o patrão. O rádio fanhoso gritava um pagode da atualidade.

Portas semiarriadas, muito cedo para beber - Pelo menos para quem estivesse empregado no momento.

" Caralho !!! Não é que quem é vivo sempre aparece mesmo?" - Uma voz nasalada e sonora irrompeu dos fundos da área de serviço e Fernando se voltou naquela direção.

" Você deu sorte de me achar aqui. Estava indo pegar a sogra no aeroporto. Mas já que a coisa é séria, mando Ernesto no meu lugar. Não vou deixar meu amigo de infância beber sozinho ! " - Pedro Khouri deu uma gargalhada e um abraço apertado no advogado.

Os caminhos da vida os separaram, mas sempre havia um tempinho para dois dedos de prosa.

" Fica sossegado, abrirei a casa só para almoço, depois o jogo da Libertadores mais tarde." - Garantiu, com uma piscadela amistosa - "Mas você não vai mesmo me contar que merda que foi essa que lhe fez beber em botequim às nove horas da manhã? É negócio de mulher? Ihhh, rapaz... Você e a Estela..." - Abanou a cabeça em reprovação. Estava para ver casal mais bacana e unido do que aquele.

" Não, fora de cogitação eu ter outra." - Cortou. - "Temos nossos problemas mas eu sou louco por aquela mulher." - Assegurou. A companheira de tantos anos jamais seria trocada por outra.

" Não sou santo, até porque ninguém é, mas aquela é a mulher da minha vida !"

O camarada arranjou uma cadeira escondida a um canto discreto, do lado de dentro do balcão, onde o sabão e água da faxina não alcançariam seus sapatos italianos.

Pedro decidiu não o importunar mais com perguntas, ele mesmo servindo uma dose dupla de whisky para ambos.

Beberam praticamente em silêncio - Nando definitivamente não queria assunto, no máximo de quando em quando soltando um longo suspiro, com a mão no queixo, os olhos pequenos e escuros perdidos em algum ponto da imagem mostrada pela brecha da porta por onde escorria a água suja do chão.

Tomou um copo atrás do outro, até que as portas do estabelecimento foram abertas em definitivo para que se servisse almoço aos clientes. O odor de tempero já era fortemente sentido, a mistura de cheiros enjoou Haddad, mas ele não se atreveu a dar um pio.

Pedro deu uma olhada no horário e se mancou de que dera a sua hora. O pior, estava em uma situação incômoda: Tinha pagamentos a receber, fornecedores que não tolerariam um minuto de atraso...

Como despachar um amigo de anos que atravessava uma fase tão ruim que nem mesmo conseguia verbalizar?

" Olha, Fernando... Já vou iniciar o expediente  aqui... Vai entrar gente e tu vai acabar sendo visto... Pega mal, ainda mais que é véspera de eleição... preciso sair, correr atrás de uns aluguéis que me devem... Não é melhor ir beber em casa? Não fica aí dando mole pela rua também, não !" - Aconselhou, prudente, lhe dando as costas e recolhendo a garrafa já pelo fim.

Haddad justificou que estava perfeitamente bem, poderia ir continuar a tomar seus goles em outro lugar. Levantou-se rápido, afrouxando o nó da gravata.
" Não vou lhe atrapalhar mais." -
Deu um tapinha no ombro de Khouri, recomendações a Dona Ana Estela, o outro ainda lhe disse, depois apreensivo observando-o sair porta afora, já principiando a trocar pernas.

Slave of love - Haddad + Ciro + Personagem OriginalOnde histórias criam vida. Descubra agora