Carioca

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Pedro era um ingrato, o ex-prefeito da cidade de São Paulo disse de si para si, segurando o paletó acizentado no ombro.

Caminhava impávido em meio ao povo apressado, sem guarda costas, de queixo erguido, a cabeleira negra desalinhada, suando debaixo dos braços, totalmente descomposto e diverso da figura controlada e comedida de advogado e professor.

Mal agradecido mesmo, resmungou, cheio de rancor. Quantas e quantas vezes fizera o meio de campo para o amigo tímido, quando ainda adolescentes, conseguir desenrolar com alguma menina?

" Boa tarde, minha senhora. Tudo bem? Dá aqui uma Brahma latão trincando de gelada para seu futuro presidente !"

Não foi preciso falar duas vezes com a vendedora ambulante. Mais do que depressa alcançou-lhe a lata, que Haddad abriu rápido, guloso e deu uma longa golada.

" Vamo virar esse jogo, Dotô." - Cheia de orgulho e esperança, desencavou das bolsas de bugingangas uma toalhinha surrada, com a qual limpou a velha banqueta de plástico amarelada pelo tempo e uso.

" Senta aqui debaixo da barraca, o sol tá é forte, hein?"

" Uhum." - E, de olho comprido no isopor que comportava as bebidas geladas, apontou - " Tou vendo que tá acabando aqui, amiga. Tem quantas aí?"

Haddad acabou com o que restara de cerveja gelada daquela barraca. Como já estava embalado, queria mais - E não podia esperar novo carregamento de gelo, o resfriamento na temperatura exata de outra remessa de latas.

" Brigadão, meu bem ! Aqui sim é bom de se beber ! Tem muito bar aí metido a besta..." - Despediu-se com um beijo na mão da velha senhora, que teria história para contar mais tarde em casa - Serviu da sua cerveja para Fernando Haddad !

" Eu não vou arregar pra Kaiser... Eu não arrego pra Brahma ! " - Fernando riu sozinho do trocadilho idiota, ensaiando desengonçado um passo de samba ao passar pela caixa de som de uma banca de camelô que oferecia DVD's pirateados.

Se Manuela fugira da luta, Lula não haveria de o abandonar, pensou com seus botões, sambando de olhos fechados na calçada. Iria ter com Kaiser, receberia suas exigências e as levaria a Lula. Seu mentor, líder de tudo, um verdadeiro pai, estaria consigo.

" Olha, gente ! É o Haddad !"
Um popular finalmente o identificou, aos berros.

" E aí, meu povo ? Sou eu mesmo ! " - Gritou de volta, erguendo os braços - " Vamo que vamo, que de virada é mais gostoso ! "

Os vapores do álcool intoxicando sua mente de uma imprudente autoconfiança, Fernando não mensurava o perigo que corria naquele instante.

" Junta, gente, vamos bater uma selfie !" - Convidou, assim que a multidão começou a fechar ao seu redor.

" Haddad é Lula !"

Uma profusão de corpos e rostos se comprimiam, na ânsia de tocarem o candidato, que sorria amistosamente, simpático apertando mãos e distribuindo abraços.

De repente o espírito da turba mudou. Mais vozes começaram a vaiar.

" Sai daí, ô turco ladrão ! "
" Tá maluco ! Vai morrer !"
" Vai lá, mulherzinha do Lula !"

Fernando só começou a cair das nuvens e encarar o inferno onde se metera quando uma pedra passou voando a poucos centímetros de seu rosto.

" Cê vai pra Papuda, desgraçado !" - Ele ouviu, antes de algo macio e malcheiroso acertar sua nuca.

Haviam o segurado  por trás pela camisa quando duas mãos mais fortes o agarraram firmemente pelos braços e o arrastaram para fora da multidão.

Slave of love - Haddad + Ciro + Personagem OriginalOnde histórias criam vida. Descubra agora