Entrega a domicílio

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" Agora suas alunas estão te entregando direto em casa quando você bebe demais?" - Sua esposa inquiriu, tremendo em cólera contida, os olhos molhados.

Ana Estela chegara primeiro, no meio da sala de estar segurando nervosa as chaves, num tilintar irritante.

Chegou bem em tempo de flagrar o marido de namorinho no carro, falando ao pé do ouvido de outra.

Lançou-lhe um olhar de nojo dos pés à cabeça, Haddad devolveu a olhada, erguendo uma sobrancelha e cruzando os braços.

" Você está fedendo a xepa, a cachaça e a fim de feira ! " - Empurrou-o pelo ombro, fazendo-o deslocar-se um passo para trás.

Odiou a si mesma por perder o controle daquela forma. Mulher adulta, bem educada e formada, não era justo que uma fedelha a afrontasse tendo como vantagem apenas a juventude.

" Trinta anos de casado e nem para ao menos disfarçar, levar mulher pra praticamente dentro de casa quando a esposa não está !" - Ululou, cerrando os punhos.

Fernando não respondeu. Estava cansado demais para discutir. Passou ventando pela mulher, que seguiu em seu encalço, furiosa papagueando bravatas de fêmea magoada.

"... Saiu do bar do Khouri onze horas. Ficou o dia inteiro com aquela franguinha? Você não tem vergonha nessas fuças não? Ela tem toda cara de ser mais nova do que a Ana Carolina !"

E a putinha com certeza era muito porca e morava num aterro sanitário, Fernando cheirava a chorume, ela ainda gritou, do lado de fora, quando o homem entrou no lavabo e se trancou por dentro.

" Agora não." - Haddad murmurou, de olhos cerrados, arrancando as roupas e as atirando no cesto. Sempre fora fiel.

" Se eu fosse daquele modelo do Khouri, galinha toda vida, a mulher não pegaria no meu pé desse jeito !" - Bufou.

Enfiou-se debaixo da ducha, tomando uma forte respiração.

Primeiro deixou a água escorrer pelo corpo, levando os resíduos da porcaria com a qual o alvejaram. Então esticou a mão para aparar o shampoo.

Ensaboou os cabelos com cuidado, mentalmente somando dois mais dois. Desde que recebera o e-mail remoía o mesmo pensamento.

Se o hacker queria algo de Haddad e não de alguém muito acima dele, seria sem duvidas um serviço baixo e sujo.

" Trair Lula. Cortar na carne. Trair o PT..." - Enumerou as possibilidades, o desespero crescendo dentro de si mais rápido do que a capacidade de autocrítica. Naquele momento, abaixo do ex-presidente, ele era o nome mais forte do partido.

Fraudarem seus votos não o assustava mais do que um escândalo público, ter o nome arrastado na lama perante a família, os filhos, o povo, depois de anos de vida pública impoluta... E a prisão...? Sua mãe não o criou para isso.

O que Kaiser exigisse de Fernando Haddad ele teria. Estava feito. Estava nas mãos do bandido virtual, entregaria-se como um cordeiro ao abate.

Tão logo julgou que achava-se limpo o bastante, fechou o registro e pisou devagar na toalha de piso. Encarou o espelho. Mais uma vez na vida, precisava ter coragem. Enxugou os cabelos e penteou-se rápido.

Após o uso do desodorante, maquinalmente abriu o armário em busca do perfume usual, abriu o frasco e se deteve um instante.

" Por que caralhos estou me enchendo de perfume para ir a um hotel com um macho? Ah, quer saber, foda-se. Eu tenho classe." - Deu-se uma boa borrifada pelo corpo todo.
" Não sou um ogro, não sou o Bozo !"

Enfim vestido e recomposto, guardou o celular no bolso e saiu do banheiro, algo mais conformado e mentalmente preparado para enfrentar a fera ciumenta com quem se casara em 1988.

" Ô, Ana... Tou indo... Reunião."
Silêncio total na casa. Qual era a novidade agora?

Repetiu o chamado, e nada.
De súbito os olhos pararam em um pedaço de papel amarelo sobre o aparador. Ele leu cuidadosamente, sua expressão se fechou e Fernando abriu um sorriso triste, baixando a cabeça.

" E essa agora... Me deixar a um dia das eleições. Por tudo o que vivemos todos esses anos, eu não esperava isso de você, Ana Estela."

Slave of love - Haddad + Ciro + Personagem OriginalOnde histórias criam vida. Descubra agora