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Assim que a chave rodou e eu abri a porta do apartamento que partilho com a Ella, os meus ombros caíram enquanto uma enorme quantidade de ar foi expulsa do meu corpo. Estou cansada, totalmente exausta e meia melancólica.

Ainda não consegui reagir ao que me foi dito há horas atrás e eu não sei como lidar com isso. Eu costumo espernear, costumo me exprimir, mas simplesmente aceitei tudo de boca fechada, só pensando no quão fodida é a vida e como ela nos prega partidas.

Assim que tirei o meu casaco reparei que a Ella estava na cozinha, ela olhava-me em silêncio com aquele seu olhar meigo, mas desiludido. Eu desiludi a minha melhor amiga, quando há três dias atras lhe falei mal porque estava irritada com aquela pessoa que nunca sai dos meus pensamentos. Nunca!

Caminhei até ela, e sem uma única palavra ser pronunciada, ela abriu os seus braços e eu aconcheguei-me nela, apertando-a contra mim. Não consigo entender o que se passa comigo, ou se calhar até sei o que se passa, mas não consigo transmitir em palavras tudo isso.

- Desculpa, amiga. – Falei baixo, já com os meus olhos embaciados.

- Tudo bem, eu entendo. Só te quero ver bem. – A sua voz era baixa e tremida.

- Então porquê que eu não me sinto bem? – Afastei-me ligeiramente do nosso abraço para encarar os seus olhos escuros.

- Porque estás com medo, amiga. – Ela dirigiu-me um pequeno sorriso – Às vezes a angústia vem porque não conseguimos deitar para fora tudo o que sentimos. Então vamos guardando e sofremos em silencio e isso não nos faz bem... Nós precisamos de nos ouvir mais, de falar mais, e não ter vergonha do que na realidade sentimos.

- Estou tão confusa, Ella. – Fui sincera, encaixando-me em tudo o que ela tivera dito.

Tive tanto medo de ser julgada pela minha melhor amiga que a tratei mal e escondi-lhe todo o furacão que estava guardado dentro de mim. Mas talvez ela sempre soubesse de tudo, talvez ela sempre percebeu a confusão em que eu estava e me deu tempo.

Hoje, neste momento, eu só preciso dela.

- Temos vinho. – Ela disse sorrindo e eu percebi que ela também sabia isso.

- Vou só tomar um banho e vestir o pijama, pode ser? – Sorri também, um sorriso que significava um obrigado.

- Eu vou preparar as taças e encomendar uma pizza. – Ela disse entusiasmada e eu assenti, beijando o seu rosto antes de ir para o meu quarto.

Agora que vi o entusiasmo dela vejo que estive tao perdida em mim, e que a vida dela mudou tanto que já nem temos tido tempo para a nossa amizade. Nunca mais tivemos um momento nosso. A Ella começou a namorar, a Pezz entrou em turnê e eu... bem, eu... Eu tenho fugido de tudo e de nada.

Tomei um banho bem quente, tentando não pensar nas obras do acaso que esta vida nada ocasional nos trás. Depois de vestir algo confortável, fui até à sala vendo a caixa de pizza aberta na pequena mesa de centro e dois copos cheios de vinho tinto de cada lado.

Caminhei até ao sofá, onde a Ella estava sentada enquanto procurava algo de jeito na tv e sentei-me junto a ela.

- Então, mais relaxada? – Ela olhava-me atentamente.

Dei de ombros, sem saber o que dizer, e sem pensar peguei no meu copo de vinho e bebi-o de uma só vez. Aquele sabor amargo fez-me fazer uma careta, mas no fundo, aquilo soube-me bem.

- Calma ragazza, assim ele faz efeito rápido. – Ella disse rindo e eu peguei na garrafa voltando a encher o meu copo, mas pousando-o sobre a mesa.

Do Avesso 1Onde histórias criam vida. Descubra agora