Curiosidade

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Por mais estranho que seja, Marieta era uma mulher que acreditava no impossível e não julgava. Na verdade foi o contrário, sentiu a necessidade de entender o que houve naquela noite, como Vladour fizera aquilo e também por que seu corpo parece estar se recuperando, diferente de antes? Era as perguntas que não só eram feitas por Marieta, mas pelo próprio Vladour.

     Naquela noite, ela o levou para cama e no dia seguinte ele estava preparando o café da manhã. Totalmente diferente agora, Vladour apresentava uma vitalidade impressionante, como parecia estar bem, sem dores ou esgotado. As manchas de pele queimada eram apenas marcas rosadas e os músculos do rosto, como também do restante do corpo, tinham aparecido. Marieta estava espantada. Como a maioria das pessoas ela teve uma louca vontade de toca-lo, mas com medo de acontecer algo ele se afastou.

     - Desculpe... - disse Vladour assustado - Tenho medo que ocorra contigo o que acontecera com o rapaz.

     - Entendo. - afirmou Marieta desanimada - Como aconteceu? Quando eu cheguei vi pele e músculos praticamente se transformando em tentáculos para entrar no seu corpo.

     - Foi bizarro, não? - indagou retoricamente com um sorriso tímido.

     - Sim, foi, mas desde quando você consegue fazer...
- ela ficou sem palavras para descrever o acontecido. - Isso?

     Vladour dera de ombros, nem sabia que podia fazer tal coisa. Estava mais assustado do que a boa mulher.

     Os dois se sentaram a mesa em silêncio, pensativos. Marieta colocou café em sua xícara e pegou um pedaço de pão. Comeu um pedaço e descansou uma da suas mão na boca.
     - Você não acha que deveríamos tentar entender o que está havendo?

     - Como assim? - indagou Vladour pegando um pedaço de pão, passando um pouco de manteiga com uma faca e comendo em seguida.

     - Assim, ver o que podemos fazer para você controlar esse... - fizera uma pausa pensando em como classificar aquilo - controlar esse dom?

     - Dom? Está otimista, para mim é mais uma maldição com qual devo viver.

     Ela pensou um pouco e então, disse:

     - Por que...

     - Espera, "deveríamos", "podemos", desde quando pensa que também isso é seu fardo? - Vladour tentou ser delicado, mas falou em um tom raivoso controlado.

     Marieta saboreou mais o café da manhã, cortando o pão com uma faca e passando manteiga. Encheu novamente a xícara e fitou o homem sentado a frente que comia sem expressar nenhuma expressão de dor.

     - É que eu quero lhe ajudar. Quero ver você totalmente recuperado... - fez uma pausa para dar uma mordida no pão, continuou assim que o engoliu - Agora, quero mais, quero entender também o que houve de fato contigo. Mas se não quiser...

     - Desculpa, mas é que eu sou um monstro e você uma mulher boa até demais, por que se arriscar com aquilo que houve ontem tentando me ajudar? - indagou desanimado, triste, com rosto virado para o canto de olhos fechados.

     - Eu não vejo um monstro, vejo alguém perdido e eu também já fui perdida, mas me recuperei e gostaria de ver acontecer o mesmo com você. Não podemos sempre nos lamentar do que foi nos dado, por mais que seja dolorido e grande, Deus nos dá aquilo que possamos carregar. Só assim crescemos e só assim poderemos um dia descansar ao lado Dele.

     A expressão de descrença tomou conta do rosto de Vladour, fitou intensamente Marieta e ficou mais desacreditado com que ouviu. Bufou com um pouco de raiva e terminou de comer seu pão.

     - Como é possível acreditar que isso pode ser um dom dado por Deus se eu devoro outro ser, outra criação de Deus, pelas mãos... - não pode controlar a si, estava falando um pouco alto demais enquanto olhava para suas mão. Bateu na mesa e se levantou, seus nervos estavam a flor da pele, era como se seus sentimentos estavam mais intensos do que conseguia lembrar. Por fim, tomou o último gole de café e saiu do cômodo sem ao menos dar a chance da mulher falar alguma coisa.

     Vladour se deteve na porta, estava preocupado com a mulher que o ajudou. Se sentia mal com isso e muito mais com a conversa. Entretanto não podia se desculpar, ele estava certo, não era um dom, era uma maldição.

     Querendo ou não, tinha uma pequena chama no fundo da mente de Vladour sobre essa maldição, mas tinha medo de descobrir coisas ainda pior. Violentamente saiu fechando a porta com força as costas.

     - Calma rapaz, desse jeito não chegará a conhecer pelo menos um de seus netos. - disse um homem velho que se assustou com o barulho estrondoso da porta da vizinha.

     - É que... - começou, mas foi interrompido com uma baforada.

     - Você deve sempre pensar não somente nas coisas horríveis por parecer horríveis, deve tentar entender porque elas aconteceram e tirar sempre o melhor da situação.

     - O senhor ouviu? - indagou um pouco envergonhado.

     - Não tinha como não ouvir. - respondeu o homem velho. - Tente procurar saber o que está havendo antes de julgar. - o homem velho se aproximou, levantou um tubo de papel enrolado de onde saia o cheiro horrível igual da baforada. - Vai um?

     Vladour ficou atônito ao notar que o velho era cego, então não tinha como saber o antes e o depois dele. Também não tinha medo na voz, apenas cansaço.

     A tal chama no fundo da mente aumentou.

     - Sim, o senhor está certo. Devo entender minha situação para então dizer se estou amaldiçoado ou se estou abençoado. - desistiu de discutir quando as palavras do homem velho inflamaram dentro da sua mente alastrando a chama que era pequena, agora dentro de si foi despertado a curiosidade.

     O cigarro ainda estava a sua frente, fitou o homem por um momento antes de aceitar.

     - Fique com esse, você precisa mais do que eu nesse momento. Até mais ver! - o homem velho foi embora rindo.

A Vida de Vladour Lichtre - O ImortalOnde histórias criam vida. Descubra agora