Oportunidade

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É difícil entender o desconhecido, ainda mais quando a época em que se vive tem pouco conhecimento sobre o assunto. Imagine o que pensaria ao ver os dois lados de Vladour, conhecendo como ele chegou ao vilarejo e depois, quando estava aprendendo a controlar aquele "dom". É impensável.

     Após dois meses na casa de Marieta, ele começou a sentir mais confiante em sair, ajudar com as tarefas e até tentar trabalhar para compensar o que ela fizera.

     Foi na taverna em uma manhã, buscar o pão enquanto Marieta estava passando o café. Apesar de já ter saído algumas vezes, ela ainda ficava preocupada quando pensava o que as pessoas vão achar quando descobrirem que o homem bonito e jovem que sai da sua casa para alguma tarefa é o mesmo monstro que chegou a dois meses. Por segurança haviam combinado não contar a ninguém, pois muitos não acreditariam ou julgariam ser uma aberração.

     Sim, Vladour ainda não havia superado, ainda se achava um amaldiçoado e concordou com esse combinado.

     Chegou na taverna e cumprimentou o barman com a mão levantada e acenou. O barman sorriu e tirou uma caneca pousando-a no balcão.

     - Um copo para começar o dia bem? - indagou.

     - Venho aqui a tanto tempo para me conhecer tão bem!? - a retórica foi animada - Pode pôr! - exclamou Vladour sorrindo.

     O barman encheu o copo de cerveja e colocou quatro cigarros de tabaco ao lado. Depois pegou um copo ao lado da pia e começou a secar com um pano que não parecia tão limpo para tarefa.

     - Vladour, vou querer aquela ajuda novamente e pago como sempre, se quiser... - soltou a oportunidade de um novo serviço que oferecia à duas semanas.

     Enquanto tomava seu primeiro gole da cerveja, concordou acenando leve e rapidamente. Depois do grande gole, enchugou o lábio inferior com a costas da mão e sorriu.

     - Mas se for precisar de ajuda para bolar os cigarros vou querer mais alguns. - disse sorrindo.

     - Podemos negociar um total, claro. - propôs o barman piscando com um dos olhos.

     Vladour pegou um fósforo que estava disposto dentro um copo pequeno que mal poderia se chamar de copo. Raspou no balcão e acendeu seu cigarro.

     - Já preparou a encomenda de sempre, amigo? - indagou enquanto observava o barman encher de whisky o copo de um homem que parecia mal se aguentar.

     Concordou com a cabeça e se virou: - Maria! Daqui um tempo separe o de Vladour! - berrou o barman estralando os dedos.

     Ele virou mais um gole e deu um trago, estava pensativo. Quando aprendesse por completo em controlar seu "dom" o que faria depois?! Era a pergunta que começou a aparecer alguns dias e avidamente estava querendo a resposta.

     "Devo voltar?! Devo seguir em frente?! Ou fico na companhia de Marieta..." - perguntou para si mesmo achando que teria a resposta naquele momento, logo seu pensamento mudou: "Como posso acreditar que Marieta gostaria de morar comigo? Não tem por quê pensar nisso."

     - Vladour... - chamou o barman segurando a bolsa meio improvisada de um tecido fino - Vladour... Volte ao mundo dos vivos e vá saborear seu pão.

     Imediatamente saiu do transe do pensamento e até assustou com o tamanho da bolsa que recebera. Devia haver quase oito pães de vinte centímetros, era até um pouco de exagero.

     - Estão frescos, acabaram de sair. - alertou o barman - Cuidado para não se queimar.

     Os dois riram como se estivessem bêbados. Vladour às vezes exagerava tentando ser amigável, mas parecia que o homem atrás do balcão não percebeu, ou não se importava.

     - Então, aquela ajuda que me pediu, é para quando? - indagou querendo se preparar para o trabalho pesado.

     - Hoje a noite, venha no crepúsculo que te conto de ponta ao rabo. - piscou em seguida como uma confirmação e despedida.

     Vladour assentiu.

     No começo do crepúsculo, com o céu ainda em transformação, ele chegara a taverna. A porta estava fechada e de leve bateu produzindo um som oco ecoar dentro do recinto. Logo, uma fresta pequena se abriu surgindo um olho azul de Maria.

     - Oh! Vladour... - alertou ao vê-lo. Destrancou a porta e abriu-a - Entre, entre. Temos café fresco e um pouco de pão de hoje.

     - Não, obrigado, vim apenas pela ajuda que seu marido me pediu. - afirmou Vladour agradecido, mas um pouco ressentido ao recusar.

     - Ele já virá, mas para o serviço, ficaria feliz se comesse, será melhor que esteja alimentado.

     Uma expressão confusa tomou conta do rosto dele, mas acabou se sentando a mesa e se servindo de café e pão.

     - Pietro já irá recebê-lo. Por favor, coma o quanto quiser. - pediu Maria com educação.

     Vladour ficou aguardando e já tinha saboreado um pão e três xícaras de café. Foi então que Pietro, o barman, entrou. Os dois se cumprimentaram com um aceno de cabeça.

     - Vladour, não sei se vai querer me ajudar hoje, mas é algo muito importante para mim e meu negócio. - começou a explicar, de forma solene - Com você, terá mais dois colegas meus e nós vamos saquear um carregamento de vinho que está vindo para a taverna do senhor Bonario.

     - O QUE!? - quase berrou e foi repreendido pelo barman a sua frente. Vladour lembrou imediatamente do que lhe aconteceu - Saquear a entrega do senhor Bonario? - sussurrou assustado.

     Pietro confirmou com a cabeça.

     - Isso é uma afronta à Deus, como pode pensar tal coisa? - retrucou em quase em um sussurro. - Não podemos...

     O homem sentado do outro lado da mesa levantou a mão interrompendo o que Vladour tinha a dizer.

     - Ele já fizera isso comigo, Vladour, estou apenas devolvendo o favor.

     - Mas mesmo assim... - ele foi interrompido novamente.

     - Pela nossa amizade, vai mesmo me deixar na mão?

     Vladour pensou um pouco, tecnicamente tudo que ele consumia na taverna era pago com esses serviços de ajuda que Pietro pedia, mas esse pedido chega a ser um pouco demais. Entretanto, Bonario não chegou a ser muito amigável quando procurara algum emprego, foi até mal educado.

     - Eu vou! - decidiu.

A Vida de Vladour Lichtre - O ImortalOnde histórias criam vida. Descubra agora