5 - Capacidade e coleguismo

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- Regis, eu, o cadáver. Observei atônito aquela cena que, ninguém teria como imaginar, aconteceria de novo. Pelo que me lembro, quando despachamos o careca, e quando eu notei que estava sem a parte de cima da cabeça, ele me inspirou uma reflexão. Não uma reflexão perturbadora e sem sentido, mas uma daquelas reflexões que só se compreende quando se está num bar, ouvindo musica de fossa, típica de bar. Você acaba reparando tantas coisas que nem se dá conta da sua real condição de derrota; quando se está dentro de um grande buraco, fica mais difícil perceber que está neste mesmo buraco, e de repente o buraco parece aconchegante. Eu chamo de efeito buraco. Mas o motivo de toda esta minha reflexão é que aquele momento em particular me remeteu a um dia fatídico em que presenciei o atropelamento de Verônica, meu primeiro amor. Ela tinha seis ou sete anos, e foi atropelada pelo caminhão de lixo enquanto aprendíamos a andar de bicicleta. Claro, não vou entrar em pormenores e detalhar o fato de ter visto o tórax dela aberto e as costelas para fora, ou como aquele dia parecia lindo antes e depois do acontecido, e depois ficou feio e chuvoso pelo resto da semana; mas ali, agora, naquele momento esta lembrança havia acabado de vir à tona, involuntariamente, enquanto eu e o psicopata do Regis observávamos a imagem do cara, Flatus, o qual o chefe havia nos mandado buscar. Ele ficou irreconhecível depois que o Regis resolveu, sob efeito de sua "viagem" de drogas, propiciada pelo próprio chefe, exagerar um pouquinho e descarregar o tambor da 44 em sua cabeça, tronco e membros por três vezes.

- Ora, João, por acaso você nunca cometeu erros?! Quer que eu comece a enumerar todas as bobagens que você já fez essa semana? - disse ele vagarosamente, enquanto tentava chupar o próprio lábio inferior e suando um suor esbranquiçado e de cheiro esquisito.

- Cale a boca. Você é uma criancinha. Se eu for lembrar todas as vezes que eu tive de aguentar sua forma de começar um serviço, não vou terminar hoje! E o pior é que o Elzo era igualzinho a você. Veja como ele terminou.

- Não me venha com comparações – disse Regis, procurando se o recém-defunto tinha dinheiro nos bolsos. – Sei muito bem dar continuidade aos meus trabalhos, desde que ninguém me atrapalhe ou fique falando bobagens. Vá à merda!

- Eu avisei para parar de usar essas balas, e além de tudo você tem uma mira ridícula.

- Eu me empolguei, porra. O chefe me ama, ele pode ficar um pouco desapontado.

- Se empolgou?! Já se esqueceu e resolveu jogar tudo para o alto?! O que quer que o cara fosse dizer, nunca saberemos. Você atirou antes de ele abrir a boca! Olha logo isso aí, veja se ele está com a tal tatuagem e vamos levar para o chefe ver. Se ele perguntar quem atirou, digo que fui eu. Não quero que o chefe brigue com você, já que é o preferido dele...

- Tudo bem, João. Obrigado. Tem certeza que o cara é esse? Esse ai tem cabelo.

- É uma peruca. O couro cabeludo não desprende com tanta facilidade, ainda que o sujeito esteja neste... Estado.

- Nunca saberemos.

- Sim. Era.

- De qualquer jeito, não perderemos o costume – agora Regis tentava abaixar as calças do sujeito.

- Certo, vamos combinar, não se preocupe. Direi que o cara não aceitou nos acompanhar, que nem fizemos com o Luís.

- Vamos combinar, melhor dizer que ele sacou a arma primeiro – disse Regis com um olhar de criancinha de rua que pede alguma coisa a alguém. Ainda mordendo o lábio.

- Que seja, ótimo. Vamos, qual é o número?


DUAS HORAS ANTES, TELEFONEMA DO CHEFE PARA MR. FLAUCIO FLATUS INTERCEPTADO PELO DEPARTAMENTO DE ESCUTA MILITAR DO ALASCA, CODINOME "BRAZILIAN GUYS":

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