Agora Régis observava cada vez mais a situação pela ótica não humana. Sem duvidas era fato notável.
- E como você sabe disso? - disse Valles.
- Tivemos um encontro um tanto quanto obscuro alguns dias antes, e ele estava muito apreensivo. Régis nunca me contava direito as conversas que tinha com o avô. Ficava tudo na cabeça dele.
- Huum.
- Pois é.
(Simulação)
- Vovô, eu gosto muito do senhor, e por esse motivo venho aqui. Não só para pedir seus conselhos, mas para também conversar com alguém que me entende.
- Eu também me amo.
- Eu tenho que pedir um conselho ao senhor...
- Fale logo.
- O que o senhor faria se tivesse em suas mãos um certo numero, uma senha mágica... Que desse acesso a uma quantia em dinheiro... Mas que se o senhor adquirisse tal quantia, teria que dividi-la com um colega, praticamente um desconhecido. O senhor acha que seria muita mesquinharia... Huum... Sumir com ele?
- Huuum... Não!
- Não?
- Não, Regis meu querido. Primeiro eu pegaria o dinheiro e ai o guardaria num local seguro por alguns dias. Isso depois de ter matado o tal sujeito, mas de uma forma que incluiria enforcamento, esquartejamento e posterior ocultação do cadáver, se é que você sabe fazer isso e nesta mesma ordem. Se o sujeito portar um carro ou qualquer outro indicio de que ele já existiu, seria importante ocultar da mesma forme.
- Huuum entendi.
- Creio que você, Regis, meu neto, continua frustrado por ter sido traído e ter perdido todo o seu dinheiro em apostas doentias e vícios em drogas. Tudo foi um grande baque, eu reconheço... Ainda bem que o seu amigo João lhe deu total apoio quando você mais precisou, mas a vida é sempre uma luta. Não é mesmo?!
(Fim da simulação)
- Olha João – disse Valles com uma cara de cansaço. – Você me desculpe mas essa historia do Régis falar com o velho morto através de um cara gordo e feio não me convence. Eu não acreditava nisso, nunca acreditei em tamanha baboseira!
- É verdade. Mas era a opinião e a vivência dele...
- Uma asneira. Régis estava usando drogas, tóxicos, chás santos e substâncias de limpeza.
- Eu sei Valles, mas, se quer saber... Eu tenho motivos para acreditar no Régis!
- Você?! Claro que tem. Você vê seres que não existem quando está sozinho...
- Não é por isso – João fez uma cara séria e segurou o próprio saco por alguns instantes. – uma semana antes de matar o Búzio aconteceu algo que nos deixou crentes de que existem seres doentes e infames frequentando nossa dimensão...
- Claro que sim, você é uma prova disso.
- Régis e eu estávamos em um lugar chamado Adustina, ele precisava encontrar um mineiro desaparecido que havia telefonado um dia antes, mas como estava desaparecido não conseguimos encontrá-lo. Então Régis, depois de uma grande sessão de viagens lisérgicas, sentiu uma grande vontade de defecar em um bidê.
- Defecar em um bidê?
- Sim. Mas não achamos nenhuma casa que pudesse nos acolher, e as pessoas que tinham bidê pediam uma quantia em dinheiro que não possuíamos. O sistema cague-pague não agradou ao Régis e ele saiu fulo rodando toda a região até encontrar um local apropriado ao ar livre.
- Ele estava tendo alucinações – Disse Valles.
- Sim, mas tudo já estava diminuindo de efeito. Ele acabou usando um rio. Foi aí que apareceu o velho que morava na beira do rio. E disse que ele não podia defecar no rio.
- Um velho pescador?
- Um velho vagabundo que cheirava cola de peixe. Ele ficava o dia inteiro sentado na beira do rio, cheirando, e quando nos viu começou a nos pedir dinheiro e contar acontecimentos estranhos.
- ?!
- Eis que ele nos contou uma historia que nos levou a uma experiência bizarra.
- É mesmo? Foi algo com discos voadores?
- Não – João fez uma cara de medo. – Uma história de maldições.
- Que tipo de maldições?
- Maldições malignas.
- Notável. Estou ansioso para ouvir.
- Apenas precisaríamos de tempo para não conseguir mais sair daquele lugar. O carro parou de funcionar sem nenhum motivo, Régis não sentia mais os efeitos das drogas e eu não consegui dormir por três dias, todo o tempo que passamos lá.
- Eu entendo, mas o que vocês ouviram afinal?
- Não só ouvimos como vimos também, e isso foi algo que eu e o Regis fizemos questão de manter em sigilo, já que ninguém acreditaria em nós...
- Existem coisas que não devem ser ditas – murmurou Valles.
- Contou-me aquele homem, enquanto Régis sumiu, a historia de uma casa de madeira abandonada que ficava às margens daquele rio. Ele disse que não teria coragem de me levar até lá, pois não era maluco. Perguntei qual o motivo e ele mencionou uma situação macabra que se arrastava por muito tempo. O velho falou que estava ali só para ajudar pessoas desavisadas que por azar do destino, resolvessem passar a noite naquela casa. A cola de peixe o manteve acordado ao longo dos anos. Se alguém passasse a noite ali, se isso ocorresse, seria a ultima noite desse ser.
- Velho maluco, igual a você.
- Ele levou-me até lá, pois garanti que estava armado e eu constatei com meus próprios olhos algo completamente inacreditável, um violão montado com ossos. Foi aí que ouvi um som de buzina apavorante em minha cabeça. Como um aviso.
- Que absurdo!
- Segundo o velho, o morador daquela casa era um ser amaldiçoado. Teve sua vida dedicada aos piores tipos de crimes, e se divertiu muito quando, de forasteiro profissional, foi admitido a soldado na tomada do arraial de Canudos. Era uma época difícil, no fim do século passado. Posteriormente uniu-se a cangaceiros, mas passou para a volante, pois era muito apto a decepar cabeças. Seu grande sonho depois de se aposentar era montar uma viola com corpo de ossos humanos e cordas de tripas humanas. O objetivo era que este instrumento seria o único capaz de tocar uma canção acordar espíritos da mata que apenas os índios sabiam como chamar. E pelo que vi ele estava quase terminando sua obra.
- Isso é verdade? – disse Valles procurando disfarçadamente garrafas em volta, já duvidando se João só era louco ou se o álcool também lhe era algo de apreço.
- Sim. Vi os corpos e os ossos espalhados pela casa. A policia nunca acha ele, e ao longo dos anos até os próprios policiais ficaram com medo da historia, sem contar que ninguém tinha realmente coragem de passar a noite lá. Mas lhe garanto uma coisa: eu ouvi gritos estranhos no mato.
- E o que você e o Régis fizeram?
- Eu saí de lá assim que encontrei o Régis. O que queria que eu fizesse?! Não se pode fazer muito contra um violeiro com um violão de ossos...
- Um violeiro extremamente caduco, fedorento e velho, provavelmente...
VOCÊ ESTÁ LENDO
A Alcatéia
Historical FictionChapada Diamantina, anos 70. Dois assassinos de aluguel não muito discretos percorrem estradas caçando vítimas a esmo e planejando novos crimes. No caminho encontram todo o tipo de figuras e compartilham suas histórias, mau-humor e falta de educação...