Fixation: Pluie

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              PLUIE

24 de julho de 2017

              Querida s/n,

              Está chovendo. Faz um ano que você foi embora e eu estou em meio a duas chuvas: a literal e a sentimental. Eu fecho meus olhos, mas você continua aqui, assim como as gotas que caem em meus cabelos quase encharcados. Eu seguro a respiração, mas seu cheiro está mesclado com a última molécula de ar que inspirei. Eu lambo meus lábios para sentir a água, mas só consigo sentir o seu sabor adocicado. Fixação.

              Hoje, eu tento novamente lhe apagar, como quem escreve à caneta e tem de deixar o rascunho para trás. Porém, eu não tenho uma resposta completa, nem bonita, para passar a limpo, então as marcas complexas e confusas feitas a lápis continuam na minha folha de papel rasgada.

              Meu coração? Teu. Meu sentimento? Nunca morreu. Cadê você, quem sempre me pertenceu?

              Você me disse que ia partir e eu ri de você, eu ri e faz 365 dias exatamente que, zombeteiro, falei que era impossível, afinal, você não vivia sem mim. Não. Eu não vivia sem ti. Eu sou apenas água com açúcar sem você aqui, pois expresso a calmaria forçada.

              Onde está quem prometeu me amar e respeitar até o último dia? Estamos vendo a chuva cair simultaneamente? Porque, há 365 malditos dias, essa pessoa quebrou a porra do juramento. No entanto, por que continuo culpando-lhe quando, na verdade, quem errou fui eu? Eu nunca te pertenci quando você me pertenceu, quando tudo ofereceu, quando tudo me deu.

              Pare. Se somarmos 3, 5 e 6, teremos 14. Faz 14 horas que estou debaixo da chuva... e ela não para. Eu ri ladino, ri soberbo, e desafiei sua coragem, fazia tempo que não mostrava ser destemida.

              A chuva cai hoje. Serei eu capaz de apagar você? A chuva cairá amanhã, pois é verão. Serei eu capaz de apagar você? A chuva cai hoje. E eu permaneço no ontem. Fixação.

              – Está chorando?

              Não estou, é apenas a chuva – ou pelo menos é isso que juro de dedos cruzados. As gotas parecem lágrimas, mas não são, pois faz 365 dias que eu esqueci o que é lacrimejar.

              – Você vai ficar resfriado.

              Você sempre me dizia essa frase quando eu enlouquecia e saía sem rumo no frio, apenas dizendo que ia dormir fora. Você corria atrás de mim, pegava minha mão e parecia engolir seu choro. Você o engolia por mim. E eu ia para aquele botequim.

              Meus cabelos já cobriam meus olhos, minha barba não-feita pingava. 365 dias sem me olhar no espelho. Passei a mão pelos fios parte negros e parte descoloridos. 365 dias sem ir ao cabeleireiro. Ah, que saudades de quando você me fazia um cafuné e dizia que eu era seu príncipe. Mas nosso castelo de gelo derreteu... e virou a água da chuva.

              – Por que você é desse jeito?

              Desse jeito como, oras? Eu sou normal, você que quis tanto partir. Se bem que fui eu quem deixei.

              Amanhã, fará 4 anos e não mais 365 dias, porém, eu continuo preso na época em que ainda havia chance de correr atrás. 4 anos são quantos dias mesmo? Você sempre disse que eu era de exatas, o cara frio e calculista, mas eu virei tão humano quanto você e é por isso que hoje te escrevo essa carta.

              Eu ouço sua voz todos os dias, ouço perfeitamente seus sapatos de salto alto batendo no piso de madeira gelado, ouço a risada da nossa filha pequena. E essa chuva de 14 horas será capaz de apagar você, vocês? Nunca.

Nocif (coletânea de fanfics com Namjoon, Yoongi, Jin e Hoseok)Onde histórias criam vida. Descubra agora