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Toco meus lábios ao recordar. A noite está fria, também como meu coração. Meu coração, que já era aposentado sem nem ao menos ter trabalhado, delirou tristemente com algo que não é real. E me fez perceber que não fui nada até aqui. Pensei e pensei outra vez. Por que ele não está inteiramente em minha vida? Sinto a tristeza invadindo o quarto. Procuro na escuridão a luz que me fez brilhar como fogo solto no caos, mas não encontro.

Não quero ver a multidão, mas estou inquieta demais para ficar em casa. Na madrugada tão assombrosa, me visto com o objetivo não identificado. Ignoro o horário e desço pelo elevador.   Pergunto, olhando ao redor, para onde ir quando chego na rua. Estou só, mas ultrapasso a cidade sem medo. Os poucos postes mantém o caminho claro, enquanto meus olhos tentam avistar asas negras no céu escuro. 

Poucas pessoas andam rapidamente, mas ainda assim de um jeito pacífico ao redor. Cada uma contendo seu próprio horário do início de um novo dia, onde elas colocam a dor de lado e vivem sua rotina de um jeito bravo, mas tão covarde ao acabar se deixando apagar no piloto automático. Eu escolho não olhar para nenhum rosto, porque sei que não será o dele. Acabo em um lugar qualquer, mas ainda vejo flashes dos sonhos em todo redor. Sinto uma sensação avassaladora percorrendo meu corpo. Uma lágrima escorre por meu rosto, que antes mesmo de chegar a secar, evapora me arrepiando. Parece que acabei de perder algo que não tinha nem ideia de que possuía até ter o vazio em mim.

(***)

Noites em claro com a sensação do preto e branco retornando em minha vida. Não tenho conseguido nem sequer pregar os olhos. As olheiras deixam isso estampado. Sinto que meu sono é sugado aos poucos junto da minha inspiração em cada segundo quase que eterno passando bem em minha frente.

Como se a insônia não bastasse, estive esperando a semana inteira e até mesmo cheguei a procurar por um acontecimento capaz de fazer ao menos uma tentativa de quase sorriso surgir no meu rosto cansado. Mas a feição sem emoção e praticamente sem vida alguma persiste em ficar. Não tenho dúvidas de que esteja me tornado a vítima predileta de dementadores. Todos os dias, um diferente faz questão de me visitar.

O fato de que posso me mudar a qualquer momento não me preocupa mais. Já até guardei minhas coisas dentro de caixas. Elas estão espalhadas por todo apartamento que morei durante tanto tempo. Meu trabalho na recepção da galeria e até mesmo o de vendedora de obras se tornou inútil. Parei de observar o celular na esperança de uma ligação da cafeteria. A dona de lá deve ter sido simpática comigo por pura educação. 

Já meu emocional, parece não existir mais. E, sem ele, minha saúde está indo por água abaixo. Tenho me sentido tão acabada, principalmente no fim do dia. E inutilmente tento descansar. Cheguei a comprar sabores diferentes de chá. Sr. Chuck disse que é ótimo para acalmar e dar leveza, com isso meu sono que tirou férias temporárias pode voltar. Mas nunca gostei muito de chá. Café ganha o meu coração e não deixa espaço para mais nenhuma outra bebida. Porém, ele é a última coisa que estou precisando no momento.

Minha enxaqueca também tem piorado, fazendo a lista de coisas desagradáveis aumentar. Decidi voltar a usar meu óculos esquecido na gaveta da mesa de cabeceira. Tem sido bom poder enxergar algumas coisas. Mas continuo incomodada e ainda menos acostumada a usá-los. Vejo o relógio que indica pouco mais de 23 horas. Deixo minha coberta quentinha para ir na cozinha. Coloco a água para ferver e tento escolher um dos sabores de chá. Acabo pegando qualquer um, já sabendo que nenhum será de meu agrado.

Um golpe de ar vindo da janela escancarada me atinge, fazendo o corpo inteiro ser tomado por um arrepio longo. Reação que não tenho há algum tempo. Desde meu último sonho, para ser mais exata. Com aquele que não sei quase nada. Estou tão atordoada que sem duvidas, se não fosse pelos quadros, já teria esquecido seu rosto. Mas ele persiste em minha mente. Tento não pensar que ele seria minha cura. Se é que alguém tem uma. Acabo me pegando meio perdida em lembranças que o envolvem pela milésima vez. Luto para evitar de querer isso, seja lá o que isso for. E mesmo que negue para mim mesma, a voz em minha cabeça continua gritando a verdade.

Me disperso por alguns segundos e noto que a água está borbulhando. Assopro a xícara em minhas mãos por medo de me queimar. Bebo o líquido que desce pela garganta deixando todo o corpo morno. O jeito que o vapor embaça meus óculos é sutilmente engraçado e dá uma sensação de relaxamento. Observo a vista da janela, os postes de luz piscam em um ritmo tão irregular quanto o que bate dentro de mim. Cada sombra que cruza minha visão parece se arrastar, como meus próprios passos sem direção. Meu corpo começa a pesar antes mesmo de terminar a bebida. Penso que se for para por o sono em dia, ao certo dormirei por 7 dias. E se o encontrar. Direi as únicas palavras que conseguirão sair de meus lábios.

"Acho que vim te ver."

Sky. (Mingyu)Onde histórias criam vida. Descubra agora