Prólogo

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Sentindo os primeiros raios do sol lhe tocarem o rosto, o jovem Fernando abriu os olhos para mais um dia.

Novamente, dormira com a janela aberta, mau costume seu, durante a época mais quente do ano.

Ainda sonolento, espreguiçou-se, esticando cada um de seus músculos, ainda parcialmente adormecidos para fora dos encardidos e remendados lençóis, dos quais tomou as barras entre as mãos, cobriu o rosto, esfregando no tecido a ponta de seu nariz. Sentiu seu próprio cheiro, misturado ao odor envelhecido de naftalina. Sua avó enchia os armários da casa com aquela coisa, a fim de afugentar os ratos. Não que ele já não estivesse acostumado.

Ao seu lado, o celular despertava. Seu toque era estridente. Fernando então soltou um suspiro resignado. Havia acordado bem mais cedo do que planejara, mas aquilo sempre lhe acontecia, e ele só desejava poder dormir um pouco mais.

Gemendo baixo com o esforço, se colocou sentado sobre a cama, afundando o rosto entre as mãos. Começou a considerar seriamente a possibilidade de perder o dia.

Não.

Concorria à presidência do grêmio estudantil naquele fim de ano. Não podia se dar àquele luxo.

Puxou uma calça jeans surrada, que já usava pelo quinto dia consecultivo, e que largara no meio da bagunça de cima da cama, levou ao nariz para testar sua "validade" e, após algumas breves fungadas, deu de ombros e começou a vestir, num pulo para fora da cama, a colocou por cima da samba-canção que usava na maior parte do tempo em que ficava em casa. Puxou uma camisa xadrês vermelha, que largara há alguns dias sobre seu computador. A mesma era um tanto grande e desajeitada em seu corpo, mas lhe caía bem, de certa forma. Calçou os tênis, muito rapidamente e deixou seu quarto.

Morava com seus avós, já muito idosos, numa simples, pequena "casa de COHAB", como muitos costumavam chamar. Sendo assim, não demorou a alcançar a cozinha. Na verdade, poderia dizer que aquele trajeto lhe tomara menos que três passos.

- Benção, vô. - murmurou, com um pequeno sorriso afetuoso em seus lábios grossos, róseos. Andou até o velho, que sentava-se à pequena e desajeitada mesinha. Numa das mãos, tinha um cigarro de palheiro. Na outra, uma xícara de café puro, forte. O cheiro dos dois se misturava e perfumava o ar.

Fernando tomou uma das mãos enrugadas e grandes daquele homem, beijando seu rosto, lhe arrancando um sorriso. Ao auge de seus dezesseis anos, aquilo não lhe era vergonha alguma.

- Pequeno Haddad. - o velho sorriu, chamando pelo neto da mesma forma que sempre fizera desde que o mesmo era um bebê. - Deus abençoe, filho.

- Cadê a vó? - perguntou, pegando um pedaço de pão da sacola que estava jogada em cima da mesa, desde a tarde do dia anterior. Estava amanhecido, mas gostava.

- Lá na sala, vendo tevê. - o velho disse baixinho, tranquilo, tomando mais uma tragada do palheiro em sua mão. - Você já tá saindo, Fernando? - mudou de assunto.

- Daqui a pouco. Vou comer no caminho, to atrasado. - murmurou, passando margarina no pão. - Lula daqui a pouco tá aqui. - citou o melhor amigo. Ele sempre vinha lhe acompanhar até a escola.

- Hum. - o velho sorriu, pigarreando de leve. - Avisa o Luiz Inácio que as mudas de salsinha que a dona Lindu me pediu estão criando raízes. Mais uns dois dias e ela pode vir aqui buscar. - citou a mãe do garoto. Apreciava Lula, tanto quanto sua família.

- Aviso. - Haddad resmungou baixinho, tomando uma mordida da massa, quando ouviu do lado de fora, seu nome ser chamado por uma voz que logo reconhecia, ao tocar seus ouvidos. - Vou lá. - avisou o avô. - Tchau... - se despediu, com pressa, de boca cheia, correndo para a sala, de onde podia acessar o portão para fora de casa.

Avistou a avó, ainda muito sonolenta pelos remédios que tomava, sentada no sofá. Bordava um guardanapo, enquanto escutava à televisão ligada em volume bem baixinho. Quando se deu conta da presença do neto, baixou a agulha e o pequeno tear de bambu, lhe lançando um sorriso terno.

- Benção, vó. - Fernando murmurou, se aproximando da velha, doce mulher, se abaixando e lhe tomando as mãos enrugadas para depositar ali um beijo demorado.

- Deus abençoe, meu filho. - ela disse, com voz cansada. - Lulinha tá chamando no portão...

- Eu ouvi, vó. A gente vai pra escola juntos. A gente vai todo dia. - ele falou, mantendo um sorriso terno, calmo. Era sempre daquela maneira, mas ele precisava, naqueles últimos dias, estar sempre refrescando a memória da doce mulher que tomava o papel de sua mãe.

Entretanto, a memória não lhe falhava em tudo. Lembrava-se de Luiz Inácio, desde que este era muito pequenino, e corria junto de Fernando pelo pequeno quintal de terra - na época, sem reboco - e, depois, pelos corredores da casa, enchendo tudo de areia vermelha. Tinha grande carinho por ele.

- Manda ele entrar, Nando. - ela pediu.

- Não dá, vó. A gente precisa ir. A gente ainda tem que passar na casa do Gui e da Manu. - murmurava o adolescente,  puxando a mochila do canto do sofá, onde havia a jogado no dia anterior, após voltar da aula.

- O Boulinho e a Manu-Jaburu. - a idosa se riu, da forma que costumava tratar os amigos do neto, há dez anos atrás, algo que provocou em Fernando um leve rubor facial.

- Vó... - revirou os olhos e riu de canto. - Olha só... eu preciso ir. - avisou, e se abaixou para lhe beijar a bochecha. - Eu volto pra janta.

- Trás a "cambada". - ela ainda insistiu. Sentia falta do burburinho dos jovens dentro de casa e, embora não tivesse mais a mesma energia de alguns anos atrás, achava que tê-los ali consigo e com seu neto lhe era espiritualmente revigorante.

- Tá bom, tá bom... vou chamar, vó. - Fernando fingiu um tom impaciente sem poder conter um risinho. Colocou a mochila nas costas. - Te amo. - dito isto, saiu pela porta e a trancou.

A idosa deu de ombros de leve, relaxada. Pegou a agulha e voltou a bordar.

- A cada dia que se passa... vejo meu Nando indo embora, e, no lugar dele, meu Khalil voltando. - citou o filho, pai de seu neto. - É como se ele passasse todos os dias por esta porta. E eu não quero que Nando se torne meu Khalil, Tamtam, não quero. - agora, se dirigia ao gato velho, vesgo e gordo, que há pouco subira no sofá e esfregava seu focinho em seu colo, pedindo algum carinho. - Eu amo Khalil, mas ele não é uma boa pessoa.

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~Notinha do Bolacha~ ^3^

Oi meus amores. Bolacha é um filho da mãe que não atualiza a fanfic e fica criando outras. Okaaaay, olha só, eu pretendo desenhar algo fofinho pra colocar de capa, mas por enquanto, fica a foto do Haddad jovenzinho (que também é fofinho). Abracinho em vcs, curtam ^^






Hormônios, espinhas e eleições do Grêmio EstudantilOnde histórias criam vida. Descubra agora