Parabéns, petista safada (parte 1)

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O sol voltou a agraciar as margens da capital quase sempre cinzenta, com seus raios mornos de tonalidade dourada. Guilherme ajudava o pai a alocar dentro da velha van vermelha a última de três malas lotadas, trazidas pelos amigos que vieram passar consigo, a madrugada de quarta para quinta.

O garoto de barba recém crescida apareceu na porta da cozinha, portando a pesadíssima mochila adornada por broches, esta que pertencia à Manuela.

Um bico resignado lhe curvava os lábios rosados, enquanto deixavam escapar um suspiro cansado, e uma expressão emburrada lhe tomou a face quando lembrou-se de ver a garota dormir pesadamente, após sua quarta tentativa de acordá-la, desde as seis da manhã.

Junto de Fernando, que também dormira consigo na noite que se passara, ela parecia ainda competir com ele o pódio do maior dorminhoco.

Ele andava em passos arrastados ao encontro do pai que, sob o capô levantado, checava pela enésima vez, o motor envelhecido e traiçoeiro da condução.

Lembrava-se de que há mais ou menos uma semana atrás, havia levado a máquina ao mecânico para uma revisão. No entanto, paranoico como sempre fora, não dera-se por satisfeito, e resolvera que não seria exagero de sua parte dar uma última olhada no óleo das engrenagens antes de, por fim, pegar a estrada. Até o momento, tudo parecia bem.

Ele colocou-se a olhar por cima da tampa do capô, quando ouviu um som abafado de algo a chocar-se contra o chão do porta-malas da van.

- Guilherme, eu já não te falei pra não jogar peso aí? Larga de ser ogro, moleque... - o homem de espessa barba grisalha repreendeu o filho, tendo os olhos negros levemente arregalados.

O adolescente apareceu de trás da traseira da velha van vermelha para lhe retribuir o olhar vidrado e descontente, de pupilas dilatadas, característica esta comum entre si e o genitor.

O homem lembrava-se, com uma certa ternura no peito esquerdo e um leve desejo de rir, que fora daquela forma que o menino lhe olhara, ao lhe abrir os olhos pela primeira vez, quando ainda aninhado nos braços de sua mãe na maternidade.

- Já tá tudo aí dentro, já. - Guilherme resmungou ignorando a bronca, em meio a uma respiração ôfega, exausta devido ao esforço empenhado em transportar as bagagens.

Ultimamente, a menor movimentação lhe causava fadiga.

- Ô pivete... tamo precisando ir no médico ver essa sua morteira, hein... - o homem murmurou, encenando um tom preocupado, tendo entre os lábios um sorriso de canto ao baixar a tampa do capô e andar até o filho. Ele mesmo sofria do mesmo mal do mesmo mal, e sabia não se passar de sedentarismo. - Ou então... nois para com o bacon. - riu-se baixo, levando uma das grandes mãos sujas de graxa a acarinhar os cabelos desgrenhados do rapazinho.

Guilherme não pôde conter um riso abafado.

- O bacon não... - resmungou.

- Cadê a... menina feia e o "Habib"? - o homem mudou de assunto, perguntando por Manuela e Fernando. Sempre os apelidara de forma carinhosa, desde a sua mais tardia infância, quando corriam pela casa, arrastando os tapetes e derrubando as porcelanas.

- Tentei acordar a Manu, mas ela me bateu. - Guilherme resmungou, arrancando do pai um riso baixo.

- E o Habib? - o homem indagou.

- É Haddad, pai... - Guilherme corrigiu-o, rindo com uma certa dose de tédio.

- Andrade? - o adulto insistiu na brincadeira, abrindo um sorriso pueril.

- Pai, que saco... - Guilherme resmungou, revirando de leve os olhos, afastando a grande mão encardida que tentava brincar com seus cabelos.

- Olha a boca, moleque - repreendeu, em tom brincalhão - vai chamar aquela pivetada, ainda tem chão pra andar.

Hormônios, espinhas e eleições do Grêmio EstudantilOnde histórias criam vida. Descubra agora