Ninguém solta a mão de ninguém

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Aquele dia já havia avançado para o início de seu fim, quando a luz dourada do sol das seis tocava a pequena comunidade.

Fernando abriu os olhos. A cabeça, pesada e dolorida ainda estava deitada no travesseiro. Sentiu a fronha deste levemente úmida com seu suor.

Desde que chegara da escola aos prantos, junto de seu avô, a primeira coisa que fizera fora correr dos braços de sua avó, negando seu consolo, e lhe causando enorme angústia por sequer saber qual vinha a ser a causa de toda aquela dor que consumia seu amado netinho.

O moreno se colocou sentado, deixando escapar por entre seus lábios um suspiro pesado, que lhe doeu o peito ao final. Apoiou a cabeça sobre as mãos, ao passo que sentia todos os fatídicos acontecimentos daquele dia, abruptamente, voltando a inundar sua mente, como uma violenta enxurada.

Soltou um baixo gemido espremendo os olhos, enquanto sentia aquele aperto no peito voltar, junto com as nítidas imagens do maldito garoto dono dos olhos azuis.

Era como se ainda pudesse sentir seu hálito, quente como o fogo, tocar seu rosto, seu perfume agridoce lhe encher as narinas, ressuscitando memórias de meses atrás, quando tudo aquilo era bom.

Agora, só conseguia se sentir angustiado por parte de si lhe obrigar a negar que Jair ainda possuía seu coração. A outra parte, gritava que deveria tê-lo ouvido, quando lhe fora dada uma chance. Talvez ele jamais tivesse outra e, por mais irracional que aquilo fosse, esta era a parte de si que gritava mais alto.

Fernando travava uma luta contra as duas metades, no limbo de seu inconsciente. Nenhuma das duas lhe parecia agregar em nada naquele momento, muito pelo contrário. Só desejava poder limpar, esvaziar sua mente.

Foi quando, lá de fora, vozes familiares e queridas lhe encheram os ouvidos, ainda que abafadas pela distância.

Gemeu abafado, dolorido, embora um sentimento de ternura lhe preenchesse o vazio no qual seu peito se encontrava, apenas por reconhecer as vozes que chamavam insistentemente por seu nome. Um pequeno sorriso lhe curvou os lábios.

Ele colocou os pés descalços para fora da cama, de modo que seu esquerdo foi o primeiro que tocou o chão.

Num pulo, do qual demorou um pouco para se recuperar, deixou a cama, com seus lençóis bagunçados, saiu pela porta e apertou o passo, corredores a dentro.

Passando pela cozinha, viu o avô, com o palheiro entre os dentes, levantando-se para atender ao portão, talvez por pensar que ainda estivesse dormindo.

Quando encontrou o rostinho amassado do neto, o velho Haddad arregalou de leve os olhos cansados, com um leve misto de preocupação e alívio - e tal combinação abusava do direito de ser possível - a desenhar sua expressão.

- Fernando - começou, era difícil ouví-lo se dirigir ao neto por seu nome - acordou, foi? - foi logo se aproximando, repousando uma das frias mãos sobre a testa úmida do rapazinho, sobre os fios de cabelo bagunçados que caíam ali.

- Vô... meus amigos estão aqui. Vou ficar lá na calçada com eles. - o moreno resmungou, se esquivando do toque do avô.

- Não vai não, moleque. - o homem de idade protestou, tomando o moreno pelos ombros, lhe dando apoio. O menino tinha as magras pernas bambas, e ele não deixara de notar. A febre o consumia. Tivera uma crise nervosa. Fazia tempo que não tinha uma parecida, desde muito pequenino, quando sofrera um de seus maiores traumas, que viera a lhe deixar sequelas, como seu quadro de ansiedade e de depressão importante. Sabia que o neto precisava de água fria e de repouso.

- Vô... - Fernando resmungou, com uma certa dose de birra, enquanto se debatia entre os braços do velho Haddad. Voltava a suar. A regata que usava estava levemente úmida em suas costas, em seu peito e em baixo de seus braços. Ele ofegava.

Hormônios, espinhas e eleições do Grêmio EstudantilOnde histórias criam vida. Descubra agora