Instinto

Primeiro Erro

A melodia de uma canção natalina qualquer ressoava pelo pequeno estabelecimento. O cheiro de café e brownies tornava o lugar ainda mais aconchegante do que sua decoração retrô já fazia. Do lado de fora, a neve caía sem pressa, embrenhando-se nas frestas entre os paralelepípedos das ruas vazia de Holmes Chapel.

Cantarolando o refrão de We Wish You A Merry Christmas, ele foi até o caixa, conferindo a hora na tela do computador. Já passava das dez. Ele devia fechar, não tinha mais o que estar fazendo ali, sozinho, numa noite de neve. 

E ainda tenho que voltar para casa a pé, suspirou com o pensamento. Por sorte, a casa dos Payne ficava a duas quadras do café. Ainda sim, se a nevasca piorasse, sem um guarda-chuva, ele se molharia.

Pior do que levar um fora, era ter que se molhar na neve gelada.

Mas ele já devia saber. Fazia um bom tempo que Sophia estava estranha com ele, não respondendo suas ligações e sendo apenas cordial nas mensagens que trocavam. Estava tão óbvio que ela não estava mais interessada e, mesmo assim, Liam insistia em tentar fazer dar certo.

Não porque ele a amava e estava desesperado para fazê-la amá-lo também, não era essa a questão. Ele só não queria se sentir tão só.

Liam odiava que enquanto alfas e ômegas se embolavam uns nos outros durante seus cios alucinados, distribuindo mordidas que os ligaria pelo resto da vida, os betas tinham que viver a vida real. A dura e fria vida real. Ele achava que era muito fácil ser um alfa ou um ômega, encontrando o amor da sua vida por puro instinto. Liam, não. Ele tinha que realmente procurar. E não era o seu corpo ou o seu cheiro que faria com que alguém se apaixonasse por ele.

Ele tentava sempre soar despreocupado e extrovertido, principalmente quando estava com Harry. Por saber que seu melhor amigo já tinha muitos problemas, ele não queria despejar os seus sobre ele. Mesmo que fossem amigos de infância, ele não se sentia nesse direito. Afinal, carência não era nada comparado ao peso de se tornar pai aos 20 anos, certo?

E, ao longo de seus 20 anos, não foram muitas as vezes em que Liam achou ter encontrado o amor. Nem mesmo por Sophia ele havia se apaixonado. Ela era muito bonita, talvez a mulher mais bonita com quem já tivesse saído, e também era engraçada e desinibida. Ela não pedia para apagar a luz quando transavam e não tinha medo de que alguma posição fosse revelar suas estrias. Liam gostava disso, gostava de pessoas confiantes.

Mas não havia nada que queimasse dentro dele. Não havia aquele calor que ele via nos olhos de Harry sempre que eles falavam sobre Louis. Liam talvez nunca tivesse encontrado alguém que o fizesse sentir aquilo, e isso o frustrava. Ele não queria ficar só. E talvez por isso se esforçasse tanto para fazer dar certo com Sophia, mesmo que eles nitidamente não sentissem mais do que uma grande atração um pelo outro.

Coçou a barba escura, já cansado de esperar por alguém que nitidamente não apareceria. Tirou o avental preto e o dobrou, pendurando-o atrás do balcão. Já havia pego as chaves e seu casaco grosso, para encarar a neve, quando o sino da porta tocou. Virou-se rapidamente, encarando o homem alto que entrava, com o cabelo comprido úmido. Ele tremia de frio.

Por um instante, tudo o que se ouvia era o barulho do aquecedor e a canção natalina que ainda tocava baixinho no rádio que Liam esquecera de desligar. Olharam-se por longos segundos, como se não soubessem o que dizer, até que Liam o avisou:

— Desculpe, irmão, já estamos fechando. — Liam nunca entendeu porque devia usar o plural mesmo quando era óbvio que estava sozinho ali.

— Ah, perdão — o homem falou e sua voz era grossa e melodiosa, como a de um alfa. Mas Liam sabia que se tratava de um beta. — Será que você não poderia me vender uma xícara de café? Está congelando lá fora — apontou para trás com o polegar, como se Liam não estivesse vendo a nevasca que começava. — Eu prometo que não vou demorar.