Espinhos Dilacerantes

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"A rosa soltou dos seus dedos. Apanhei-a rapidamente, ainda estava bela. Segurei sua mão para ver a profundidade do corte. 'Não foi nada'. Sorriu com as lágrimas presas, tentando esconder a dor agoniante do pequenino arranhão. Decepei os espinhos e entreguei novamente para a linda jovem de trajes coloridos. Já era a quinta vez que comprava flores naquela semana".

Você riu, banhando o rosto de lágrimas. Fechou o rasurado diário e o encostou em seu peito. Os lábios estavam secos e entreabertos, incapazes de proferir qualquer palavra.

Apenas sentia o vazio que tal caderno lhe transmitia. Ainda estou aqui. Era uma pena vê-la e não tocá-la. Gritar ao pé de seus ouvidos e não ser escutado. Queria poder dizê-la o quão bom é a eternidade. Os anjos são magníficos, não sentimos fome, nem dor. Ontem mesmo, vi o Plutão perseguir uma borboleta. Sim, os cães também vão para lá.

Levantou-se bruscamente. Abriu a porta do banheiro e encarou-se ao espelho. Não vi meu reflexo, mas pude ver o seu aos prantos. O diário ainda estava em suas mãos.

Caminhou vagarosamente a nosso quarto. Abriu o caderno nas últimas folhas, ainda em branco. Os dedos tremiam, pouquíssima força era posta na caneta. Entre as linhas, vi desenhar meu nome de maneira falha.

Não precisava escrever nada, querida. Estou aqui, ao seu lado. É só falar. Redigia seus suspiros no papel. A felicidade era um desejo que não obtivemos sucesso, mas parecia esperar por algo.

Acha que à conseguirá aqui, ao meu lado? Fechou as folhas. Com dificuldade, apanhou o canivete que guardei junto a caixa das mais vastas lembranças. A lâmina deslizou em sua delicada pele, abrindo o mais verdadeiro de seus sorrisos.

Os lábios agora, banhavam-se do orvalho das lindas rosas que te entreguei. Eles nunca entenderiam o valor da sua partida. Você não era capaz de viver sem meu calor carnal a te preencher.

Mesmo sem senti-la, beijei sua face que esvaziou-se com o ato. Quanta saudade. Volto em paz para a eternidade. De mãos dadas com a mais bela Rosa do jardim mortal.

Rascunhos SolitáriosOnde histórias criam vida. Descubra agora