3: O que aconteceu naquela noite?

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Se quiseres poder suportar a vida, fica pronto para aceitar a morte.

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23 de abril de 2018, noite da morte de Chae Hyungwon.

— O jogo foi ótimo! — Hyungwon exclamou ao se aproximar de mim. Definitivamente, ele era o único no mundo que não se importava de abraçar o namorado suado — Minhyuk vai dar uma festa hoje à noite. Vamos?

— Você está muito animado — falei ao pôr minhas mãos em sua cintura — aconteceu algo?

— Me sinto livre dos problemas hoje — sorriu.

— Abra a boca — pedi. Aproximei meu rosto do dele e cheirei seu hálito, mas não havia indícios de álcool. Quando percebeu minha intenção, Hyungwon riu.

— Eu não estou bêbado, seu bobo. Estou apenas feliz.

— Bom jogo, Hoseok — Seungcheol passou por mim e deu um tapa nas minhas costas, com um largo sorriso no rosto. Ele começou a andar de costas ao perguntar — vai na festa de Minhyuk, não é? Temos que comemorar mais uma vitória, Hoseok.

Suspirei. Parece que não tinha escolha alguma. Hyungwon aproximou seu rosto do meu, com um sorrisinho vitorioso e em seguida, me deu um selinho demorado, deixando minha guarda cair por terra.

Abracei sua cintura forte, e o ergui do chão, girando-o enquanto o beijava da forma carinhosa que sempre fizemos.

— Vou tomar banho no vestiário — falei, recheando minha fala com segundas intenções. Hyungwon riu baixinho — você vem?

— Vou — não achei que ele fosse concordar com isso.

Hyungwon juntou nossas mãos e caminhamos até o vestiário masculino, que era perto da quadra de lacrosse. Fazia un pouco de frio, diferente da semana anterior. Mas o único que parecia sentir o frio era Hyungwon, já que meu corpo ainda estava ofegante e quente devido ao jogo.

Na porta do vestiário, retirei minha camisa e a deixei no banco, que fica no centro dos chuveiros. Hyungwon cobriu os olhos, com vergonha.

— Não precisa ter vergonha, Wonie — falei ao andar até meu armário. Peguei uma toalha e a entreguei para Hyungwon, que me olhou desentendido — você está congelando. Tome uma ducha quente.

Hyungwon ia protestar, mas eu dei um beijinho na ponta de seu nariz, cortando qualquer raciocínio.

— Eu deixei minha mochila na arquibancada, e lá tem outra toalha. Pode começar sem mim — disse. Hyungwon assentiu e, com as bochechas vermelhas, colocou o moletom sobre o banco e tirou a blusa. Não me contive e puxei-o pela cintura, dando-o um beijo lento em seus lábios cheios, para então trilhar beijinhos por seu pescoço até sua clavícula — volto daqui a pouco.

— Não demore — baguncei seu cabelo, recebendo um tapa leve em meu ombro. Hyungwon era fofo até com raiva.

Não me preocupei em pôr a camisa de novo, pois não havia ninguém por ali. Todos já estavam em suas casas, ou na casa de Minhyuk para festejar. Subi o pequeno morro preenchido por grama e já pude avistar a mochila azul em cima do banco acinzentado. Apertei o passo para não deixar Hyungwon esperando, já que ele não gostava disso e também porque eu estava louco para matar a saudade daqueles lábios. Atravessei a mochila em meu ombro e voltei para o vestiário.

Quando eu já estava à um metro de distância, todas as luzes do campo se apagaram. Nesse momento, eu parei de andar. Engoli em seco, um pouco apreensivo. O zelador costumava desligar as luzes dos holofotes às nove, pois eu e Seungcheol ficávamos treinando quando não tinha jogo.
Deixando esse pensamento de lado, corri até o vestiário. A água que caía era quente, e Hyungwon estava se lavando. O vapor cobriu os espelhos e umedeceu os armários de metal.

— Hyungwon, acho melhor desligar o chuveiro — falei — estou ficando com mais calor — resmunguei, já preparado para receber um xingo por parte dele.

Mas Hyungwon não respondeu. Ficou quieto ainda debaixo do chuveiro. Achando aquilo estranho, me aproximei do box que ele estava. O vidro da porta era translúcido, não dava para ver muito, mas sabia que ele ainda estava dentro. Quando eu ia puxar a porta para assustar o Chae, senti um cheiro estranho.
A água começou a sair por baixo da porta, e junto dela, um líquido escuro se fez presente. Abri a porta de forma brusca e bruta, assustado. Mas nada se comparou a esse sentimento ao ver Hyungwon, nu, sentado no chão, com uma faca encravada em seu esterno. Fechei a torneira do chuveiro às pressas, o meu corpo tremia, minha alma faltava sair pela boca.

Ao lado de seu corpo, haviam quatro números: 4023, desenhados com o próprio sangue, tornando aquela cena ainda mais... impossível.

Meu primeiro impulso foi chacolhar Hyungwon para que ele acordasse, mas por mais que eu bradasse seu nome, seu rosto continuava pálido. Meu segundo impulso foi retirar a faca de dentro de Hyungwon, mas eu não sabia como, talvez isso o fosse machucar. Molhei os lábios e, de forma meio afobada, tentei achar uma posição que não o ferisse mais. Afinal, ele só estava desacordado, certo?

Apoiei a canhota no peitoral de Hyungwon enquanto usei a destra para puxar a faca. O corpo do Chae caiu para frente, mas eu o segurei, impedindo que batesse a cabeça no chão.

— Wonie — sussurrei — acorde — pedi, com lágrimas me impedindo de enxergar tudo com clareza. Me sentei no chão e abracei Hyungwon, balançando-o para frente e para trás, como se fosse um bebê prestes a acordar — Wonie, por favor.

Meu choro tornou-se intenso, eu já não conseguia respirar direito. Minhas lágrimas caíam no rosto de Hyungwon, o rosto que no futuro eu veria ao acordar pela manhã pois moraríamos juntos e teríamos nossa própria família.

— Mas o que está acont... — aquela voz era a do zelador Park, um senhor que beirava seus 60 anos. Seus olhos faltaram sair do rosto e sua boca foi ao chão. Ele não conseguiu formar nenhuma palavra que fizesse sentido, apenas sons estranhos saíam de sua boca. Até que ele finalmente pegou o celular do bolso e discou um número — a-alô, é da polícia? T-Tem um garoto ensanguentado aqui.

Deixei, com cautela, Hyungwon deitado no chão e puxei o telefone da mão do senhor.

— Eu não fiz nada, se é o que está insinuando — sussurrei. Minha voz mal saía. Estava entalada, trancada em minha garganta.

— Não é o que parece — ele rebateu — fique quieto aí, Hoseok.

Eu não podia fugir, pois certamente eu seria tido como culpado. Mas eu jamais feriria Hyungwon, eu jamais o faria mal, eu... jamais pensei que o perderia dessa forma.
Me sentei outra vez no chão e abracei-o, deixando um beijo em sua testa e algumas lágrimas por seus olhos fechados. Me agarrei a esse último momento com Hyungwon ao meu lado, até que a polícia e a ambulância chegaram.

— Garoto — a voz de um policial soou atrás de mim. Ouvi-o tirar a trava de segurança da arma e sabia que ele apontava para minhas costas — deixe o corpo e me acompanhe.

Engoli em seco, acariciando as bochechas de Hyungwon. Dei uma respirada longa, preenchida por medo e melancolia.
Assim que virei o rosto para dizer ao policial que eu não havia feito nada, não pude crer no que estava acontecendo.

— Vamos, obedeça o delegado Kangdae — disse o zelador Park.

Meus olhos se arregalaram e meu coração se apertou mais um pouco.

— P-Pai... — murmurei. A mão de meu pai se afrouxou da arma — e-eu não fiz n-nada.

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eita lasqueira

QUEM MATOU O NÚMERO QUATRO? 「 2Won 」Onde histórias criam vida. Descubra agora