Ema havia saído para entregar os desenhos do vestido de casamento de uma moça numa cidade próxima. Ernesto, que tinha planos de conversar com a amiga, teve de postergá-los até a volta dela, que não tinha uma previsão precisa. Ao saber disso por intermédio de Ludmila, o italiano lhe pediu que avisasse à baronesinha assim que esta chegasse. Logo que se pôs a caminhar para sua casa, seus pensamentos voltaram para os últimos meses, que haviam alterado coisas que pareciam inalteráveis em seu coração.
O vale como ele conhecia ganhara novas cores nesse ano. Novas, em si, não eram, mas elas desabrocharam pela primeira vez diante de seus olhos. Luccino se revelara, Otávio demorara para especificamente o dizer, mas os olhos de Ernesto não lhe enganaram. Por uns meses a sua mente assimilou esses dois como únicos que não se encaixavam no tal "padrão de atrações sexuais" que ele via o tempo todo não só pelo vale, mas também por São Paulo.
Houve, porém, uma nova revelação para sua mente já assentada. Ema, num dia dos fins de Outubro, lhe parecia levemente distante, olhando quase enamorada para um vaso que enfeitava a sala. Ernesto estranhara aquela situação, mas inicialmente não perguntou nada. A situação, porém, seguiu pelo dia inteiro, sendo vasos, flores, quadros de paisagens, até um cachorro que passara pela rua receberam aquele olhar de Ema.
Apenas a noite, percebendo que aquilo seguia de forma quase crônica, perguntou-lhe a razão desses olhares. Ela se fez de desentendida, mas com a insistência de Ernesto, finalmente revelou a razão desses olhares, que ela genuinamente não percebera até o momento no qual se falou disso. Ema estava perdidamente apaixonada.
"Ai, é um sensação maravilhosa. Aqueles olhos, aquele sorriso... Parece que o mundo está exibindo imagens dela em todos os cantos." Disse ela sorrindo, sem perceber que falara um pouco demais.
Ernesto ouvira o "dela", deduzindo na hora que Ema estava falando de outra mulher, não de um homem. Pouco depois ele percebeu o semblante apaixonado dela se transformando num semblante de pânico: ela percebera o deslize. Subitamente ela inventou uma desculpa, dizendo que na verdade quis dizer "imagens belas". O tom de voz que ela usara nessa explicação não convenceu Ernesto, que tentou manter a moça calma. Vendo que o italiano não se convencera com seu argumento repentino, ela se levantou, correndo em direção à escada, sendo seguida de perto. Ema se trancou em seu quarto, não abrindo a porta pelo resto do dia.
Os dois apenas foram estabelecer uma conversação na manhã do dia seguinte, quando finalmente a porta foi destrancada. Foi quase meia hora até que o pânico fosse apagado. Ema, então, começou a falar, ainda de forma tímida, sobre seu sentimento de forma mais concreta. Começara no dia do casamento de Julieta, ocorrido pouco tempo antes. Seus olhos encontraram os dela, vestida num azul extremamente forte e olhando no fundo de seus olhos como se acariciasse de forma doce sua doce alma.
Quem? Perguntou Ernesto, esperando uma resposta mais concreta, apesar de já ter a noção de quem se tratava, o que se confirmou quando ela disse o nome da moça: Jane. O encantamento se fez, como se fosse ela uma fada. O italiano ouviu atentamente ao relato apaixonado de Ema, percebendo um brilho em seu olhar que poucas vezes vira. Elas poucas vezes estiveram sozinhas juntas, sempre tendo uma das irmãs Benedito, ou a própria Ofélia, em seu conjunto.
Ela, porém, tinha um plano que ainda não tinha noção de quando aplicaria: na próxima das festas organizadas por Julieta, ela puxaria Jane para um canto, se declarando finalmente para ela. Ernesto estranhou a repentinidade e a estruturação de um plano já pronto de forma tão precoce. Ema, porém, tinha a certeza de que a sua declaração não seria rejeitada, não entrando mais em detalhes depois disso.
Para desconversar, percebendo a alta curiosidade de Ernesto, Ema perguntou ao italiano como andava sua vida amorosa, prontificando-se a lhe ajudar. Ele desconversou, afirmando que a política seria sua preocupação mais recente, não tendo um espaço tão denso para o amor. A baronesinha não acreditou, insistindo na pergunta, agora querendo entender a razão de tal ação evasiva. Ele começou a se irritar com a infindável insistência, saindo da sala na qual eles estavam.
Ernesto e seus rompantes... Ema percebeu que nada sairia dele, muito menos agora, pondo fim ao assunto de amores. Tarde demais, já que o italiano já saíra de sua casa. Agora, meio de dezembro, o homem que saíra daquela casa e o homem que caminhava hoje para a casa de sua mãe eram tal qual duas pessoas diferentes. A evasão de Ernesto se dera por conta de um fato que ele não dissera nominalmente: Um embrião de sentimento estava em início de formação em seu coração.
Dois dias antes da revelação de Ema, ele estava voltando de uma confraternização pelo aniversário de uma pessoa do vale. Nesse dia, em específico, fora embora junto de Camilo, quando normalmente ele ia sozinho. Era uma noite de um céu limpo ocupado pelas estrelas e por uma lua cheia. Os dois caminharam juntos até a frente da casa de Camilo, aonde este ficaria. A despedida dos dois seria normal, se não fosse por um abraço repentino dado pelo rapaz dos olhos azuis. Não um abraço de brothers, mas um abraço acolhedor, que durou mais tempo que o normal. Ao fim do abraço, os dois se olharam nos olhos, em transe. Apesar da luz fraca, a imagem um do outro era quase nítida, como se uma luz brilhasse em volta de seus corpos. Camilo, repentinamente, se despediu e entrou, deixando Ernesto confuso, e com o coração acelerado.
O italiano não sabia o que acontecera naquele dia, mas algo mudara de lá para frente. A imagem do amigo parecia mais forte, a voz do amigo parecia uma música harmônica, o abraço parecia algo acolhedor, algo... apaixonante? Ele não sabia. Em sua mente existiam apenas duas formas de atração: a atração por alguém do mesmo sexo e a atração por alguém do sexo oposto. Ele se considerava no segundo grupo. Já se atraíra por mulheres, atrações profundas, nada raso, nada fingido. Quando saiu naquele dia da casa de Ema, sua mente estava em guerra: ele sabia que não se encaixava no padrão de atração do qual fazia parte seu irmão, mas também já não sabia mais se cabia no padrão que, até pouco tempo antes, considerava como certo para si.
Ou seria ele alguém diferente de tudo o que conhecia? Poderia um homem se atrair por outro homem sem necessariamente deixar de se atrair por mulheres? Ele não sabia se realmente deixara de se atrair, já que seus olhos agora estavam vidrados em tudo que fazia parte de Camilo. Por dias sua mente foi cem por cento ocupada por essa crise existencial, dias nos quais sabia que queria ver seu amigo, mas que não tinha certeza se estaria pronto para olhar naqueles olhos antes de chegar a alguma conclusão.
Ao fim desses dias, admitiu para si que estava apaixonado pelo melhor amigo. Admitiu, também, que era alguém diferente do que normalmente se falava. Se atraía pelos dois gêneros. E não fora Camilo que deflagara essa atração. Refletindo, lembrou-se das poucas vezes que desejara outros homens, sentimento esse que, à época, ele confundira com admiração.
Ao início de dezembro se reencontrou com Ema, revelando tudo o que estava pensando. Ele, porém, ocultou o nome do rapaz, não dando brechas para a baronesinha ter conhecimento de que se tratava de Camilo. Apesar da irritação por não saber o nome do rapaz, a moça teve seu latente instinto casamenteiro reativado, se prontificando a ajudar Ernesto na missão de conquista do amante desconhecido.
A história, a partir do próximo capítulo, volta pra evolução cronológica normal. Eu consegui adiantar o próximo capítulo quase inteiro. Isso quer dizer, talvez, que eu consiga publicar o próximo capítulo segunda, talvez domingo. Até mais.
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Nosso Sonho
FanfictionDuas formas diferentes de descobrir uma parte de si. Ernesto e Camilo sempre foram melhores amigos, grandes confidentes e quase irmãos. Apesar disso, eles guardam oculta dentro de si uma parte de suas vidas. Camilo se atrai exclusivamente por homens...