1907

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Um velho caderno de caligrafia ocupava as mãos de Camilo. Velho, em si, não o era, já que o caderno fora impresso há poucos anos. Mas a poeira que por sobre ele jazia dava essa impressão de antiguidade. A primeira página indicava: 1907, curso de literatura. Nesse curso de um ano ele tivera suas primeiras experiências sexuais, todas com o mesmo colega. Na época ele já tinha conhecimento da própria atração por homens, mas ainda não tivera noção do impacto que um contato mais elaborado com outro homem lhe causaria.

Um dos integrantes do curso, o integrante que abrira esses novos caminhos para Camilo, chamava-se Brás. Brás era do sul, mas tinha uma tia que morava por perto. Seu objetivo era permanecer no vale por aproximadamente um ano, o tempo do curso, para logo regressar à sua casa. Brás era mais baixo que Camilo, media 1.65 aproximadamente. Seu cabelo era curto, um pouco encaracolado. Seus olhos pretos eram cobertos por um óculos de grau de lente redonda, que combinava com a forma oval de sua cabeça.

Os dois se conheceram já no primeiro dia. Ao fim de um mês eram amigos de curso, sempre se ajudando um ao outro nos trabalhos feitos. Em três meses Camilo já se identificava atraído por Brás. Não chegava a ser uma paixão, já que a atração e a paixão, apesar de semelhantes, não são iguais. Não levou muito tempo para Ernesto perceber alguns olhares diferentes de Brás para Camilo, resolvendo não falar nada por não ter certeza do que havia visto.

Apenas por volta de junho é que houve uma aproximação real. Numa tarde, na qual eles faziam a leitura dramática de uma peça, chegou-se em uma parte da peça na qual os dois personagens protagonistas se beijam. Ao invés de apenas ler a rubrica, que indicava um beijo curto, Camilo beijou Brás. Foi um selinho, mas que travou momentaneamente os dois. Brás não recusou o beijo, mas também não demonstrou mais nenhuma emoção pelo resto da peça.

Umas horas depois eles conversaram sobre o beijo, se entendendo sobre a situação repentina. Brás, ao contrário do que Camilo esperava, não lhe reprimiu. O que ele fez foi retribuir o beijo que seu amigo lhe dera. Era algo suave, um pouco desesperado por parte dos dois, mas que lhes satisfez. Dos beijos surgiram toques ousados. Dos toques ousados se fez a primeira vez dos dois, que ocorreu em um bosque meio afastado da cidade. Camilo se lembrava do quanto fora doloroso para os dois, de início, já que os dois tanto penetravam quanto eram penetrados (padrão que se manteve nos encontros subsequentes). Apenas na terceira vez eles foram capazes de sentir prazer.

Os encontros dos dois, sempre acobertados pelo curso de literatura, eram sempre encontros de sexo. Camilo sabia que não amava Brás, e Brás sabia que não amava Camilo, e os dois já haviam conversado sobre isso. A união dos dois em uma transa calma e necessária para que eles se entendessem era o que os dois realmente amavam. Não agiam, porém, como pessoas que se guiam ao orgasmo e se desvencilham rapidamente, indiferentes um ao outro quando não estavam transando. Agiam, longe dos olhos de qualquer pessoa, como se fossem namorados. Se abraçavam, se beijavam, liam abraçados, riam um com o outro...

Foi esse o cenário que se estabeleceu por esse ano inteiro. Camilo não se satisfez de todo com esse curso, começando a ver outros para o ano seguinte. Mas a amizade colorida que tinha com Brás era o que lhe mantinha naquele curso. Logo, porém, o ano acabou, e o sulista teria de voltar para sua casa, já que ele não conseguira convencer nem seus pais e nem sua tia a aceitarem um aumento no seu tempo de permanência por perto do vale.

Três dias antes de sua partida, em um momento no qual os dois estavam sentados na cabeceira da cama de Brás, este deu à Camilo um caderno de caligrafia. 

"Pera... É o seu caderno desse ano!" disse o rapaz dos olhos azuis surpreso.

"Na verdade não. Eu levo comigo o caderno com os conteúdos que eu aprendi. Aqui neste estão alguns rabiscos que eu fiz nesse ano, pensando em tudo o que aconteceu." disse o outro folheando o caderno.

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