Declaração

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Camilo se deitou após completar a anotação. Queimou todas as suas forças na escrita detalhada desse sonho e, como efeito colateral, estava fraco. Encarava o teto como quem assiste a um filme sem entender uma cena sequer do que se passa. Não sabia exatamente o que fazer: se partia ao encontro de seu amor ou se reagiria como se nada tivesse ocorrido. A segunda hipótese era impossível tamanha a marca estampada em sua memória. Restava-lhe a primeira opção.

Como partir é que era o problema. Ernesto nunca lhe olharia daquele jeito se não desejasse que a proximidade ocorrida sob a neve se repetisse. Não era do tipo de pessoa mais sutil, disso Camilo sabia. O que o rapaz não era capaz de determinar era a reação daquele a quem amava no caso de passos na paixão.

Ele costumava chegar de forma repentina, sem aviso e com a delicadeza de um trem. O pequeno príncipe não sabia ser tão indelicado quanto a imagem que tinha de Ernesto. Talvez fosse bom partir pelo lado oposto: andar devagar, dando pequenos sinais de forma delicada, tal qual já estava fazendo. Agora que o beijo já ocorrera, o passo seguinte seria conversar sobre o beijo, sem atacar direto. 

Esperar ou ir de encontro? Não tinha a força física necessária para ir de encontro ao italiano mas também não tinha a paciência necessária para esperar sentado. Hoje nada mais ocorreria além do almoço de Natal, que cada família faria em sua própria casa. Julieta fizera com Aurélio um pequeno almoço com frango, risoto, salada e frutas. Camilo, depois de um tempo inerte, desceu para a cozinha atraído pelo cheiro da carne.

"Não sei a aparência e nem o sabor, mas o cheiro está divino." Disse o rapaz chegando ao térreo.

"A gente já estava pensando que você não ia descer"  Falou Estilingue descompromissadamente, recebendo um olhar indefinível de Tenória, que sussurrou:

"Também não precisa constranger ele"

Camilo não se constrangeu. Pelo contrário, riu da declaração do menino. Encaminhou-se para a sala de refeições e contemplou a mesa pronta. Talvez comer um almoço bem feito num dia meio frio servisse para acalmar os pensamentos ansiosos que lhe invadiam. Pegou uma parte do frango, uma colher grande de risoto, algumas folhas de saladas e uma mistura de beterraba com cenoura.

Comeu sem prestar atenção às conversas que se desenrolavam na mesa. Não chegou a pensar em Ernesto ou em qualquer coisa que fosse. Por alguns momentos sua mente esteve vazia e seu coração relaxou. A paixão avassaladora foi deixada de lado por alguns minutos para que ele pudesse degustar aquele almoço feito com cuidado sem que a distância daquele a quem amava pudesse amargar a refeição.

Terminou rápido de comer aquele farto prato. Levantou da mesa logo que completou a refeição, indo para o quintal após sair da sala de refeições. Julieta parecia saber que o filho precisava ficar sozinho, visto que não interrompeu seu caminhar para a rua em momento algum.

Esperar ou ir de encontro? De novo a pergunta se fez. Pegou uma pequena rosa do quintal e admirou a flor. Como se a planta lhe tivesse dito alguma coisa, decidiu ir de encontro ao italiano para a inevitável conversa pós beijo. Usaria a combinação Panamá-óculos roxos-roupas brancas que tantas vezes já usara. Não teve medo de ser repetitivo, visto que considerava esse o modelo que mais lhe valorizava. Esperaria a hora do almoço se encerrar para, então, ir de encontro com aquele carcamano sedutor chamado Ernesto.

Entrou novamente na mansão ainda com a flor em suas mãos. No quarto permaneceu até o meio da tarde, quando considerou prudente ir até a casa dos Pricceli. Vestiu-se, olhou-se no espelho e acariciou suavemente sua barba, dando um pequeno sorriso durante tal ação. Sentiu-se um galã, ou algo parecido. Pensou em colocar algum perfume para potencializar o encontro, optando, todavia, por não o usar, visto que teria de passar provavelmente pela família toda até chegar ao seu objetivo. 

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