Ernesto se lembrara, em um momento, de alguns natais que passara na Itália, quando era muito criança. Lembrava-se da neve e do frio. Amava ver a mãe num casaco meio vermelho, que ela apenas usava no natal. Quando vieram para o Brasil, porém, algumas coisas mudaram. Enquanto na Itália o natal se celebra no inverno, no Brasil é celebrado no verão. Apesar de jamais poder ver a mãe naquele casaco, que se tornara uma roupa trivial, o italiano amara a possibilidade de sair para nadar no dia da véspera de tal feriado, coisa que ele nunca pudera fazer em seu país de origem, apesar de morar diante de um lago.
Hoje, véspera de natal no vale do café, algo diferente acontecia no clima daquele lugar. Ernesto acordara, mas não sentia o calor que, normalmente, massacrava-lhe desde a manhã. Em seu lugar, um clima ameno, quase frio. Abrira a janela, esperando um céu nublado e um princípio de chuva. Mas, ao contrário, o céu estava limpo, tirando umas nuvens distantes.
O italiano logo foi pegar um pão com um pouco de café para acordar. Como o espírito natalino só se iniciava com o por do sol, todos viveram essa fria manhã como se fosse mais um dia comum. A ausência de Nicoletta na casa, já que a italiana fora ajudar nos preparativos do jantar, era a única diferença de uma manhã normal para essa manhã. Fani e Edmundo normalmente saiam de manhã, o que fazia a ausência desses dois não ser nada de diferente. Ao fim das contas, ele estava sozinho, e satisfeito com isso. Era um momento no qual precisava ficar por si.
No dia anterior havia, basicamente, flertado com Camilo de múltiplas formas. A sensação da testa do rapaz colada na sua ainda era forte, como se tivesse acabado de acontecer. Os abraços que se deram naquele fim de tarde foram donos de seu pensamento naquela noite. Os quartos dos filhos de Nicoletta, no mês anterior, receberam uma reforma. O que antes era um quarto só, agora eram dois quartos, separados por uma parede. Enquanto um dos quartos tinha Fani e Edmundo como seus moradores, o outro tinha Ernesto dentro de si. Agora que não dormia nominalmente no mesmo quarto que a irmã e o marido dela, se permitia pensar em Camilo sem ter de sair da casa para isso. Masturbara-se pensando naquele contato próximo, tentando imaginar aquele corpo nu. Passou suas mãos pelo corpo imaginando as mãos dele lhe agarrando. Imaginou aqueles lábios beijando os caminhos de seu corpo. E então se fez o orgasmo. Ernesto mordeu seu travesseiro numa tentativa de sufocar os gemidos que sabia que liberaria. Ao seu lado havia uma toalha que ele, pensando na possibilidade de fazer o que acabara de fazer, trouxera e ocultara do campo de visão de quem pudesse passar. Relaxado ele dormira, mas agora se perguntava se havia ido longe demais. Todos os dias anteriores tiveram Ernesto sorrindo bobo pensando em Camilo. Essa fora a primeira vez que ele se tocara pensando nele.
A manhã e a tarde passaram rápido, apesar dos pensamentos que ocupavam a mente do italiano. Fani passara lá ao fim da tarde para buscar um casaco para ela, Edmundo e Nicoletta. Com o entardecer, ele foi até a varanda, constatando que o frio aumentou. Não sabia quantos graus faziam nesse momento, mas sentia algumas pitadas de nostalgia com o frio nessa época. Uma pequena brisa soprou os cabelos de Ernesto, que fechou os olhos e abriu um largo sorriso. Falara em milagres de natal, mas apenas o dissera para espalhar uma aura otimista ao seu redor, não sabia que algo realmente milagroso ocorreria.
Saído da varanda, o italiano foi em busca de roupas para o evento dessa noite. Pôs um paletó preto com uma gravata avermelhada, desejando parecer arrumado. Logo o retirou, por medo de parecer arrumado demais para uma confraternização de amigos. Tirou a gravata e a camisa social. Pôs uma outra, um pouco menos arrumada, mais amassada. Nesse caso, porém, os suspensórios ficariam a vista. Pegou um colete meio marrom no armário, pondo-o sobre a camisa. Se achou um pouco desleixado, mas aceitou esse modo de se vestir. Pegou uma calça também meio marrom para combinar com o colete. Pôs uma boina da mesma cor em sua cabeça, completando o modelo. Olhou-se no espelho novamente e, com um suspiro, perguntou:

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Nosso Sonho
Hayran KurguDuas formas diferentes de descobrir uma parte de si. Ernesto e Camilo sempre foram melhores amigos, grandes confidentes e quase irmãos. Apesar disso, eles guardam oculta dentro de si uma parte de suas vidas. Camilo se atrai exclusivamente por homens...