Apenas uma hora foi necessária para a chegada de Edmundo, que deu de cara com Camilo saindo do quarto.
"Você por aqui?" Perguntou
"Eu estou cuidando do Ernesto. A Fani estava encarregada disso mas eu a convenci a descansar um pouco" Respondeu Camilo percebendo a curiosidade de seu questionador.
"E como ele está agora?" Voltou a perguntar Edmundo.
"Melhor. A febre baixou. Já até tirei a compressa." Completou o outro com um tom flutuante e feliz.
Os dois homens entraram no quarto cuidadosamente. Ernesto parecia dormir um sono feliz. Um sorriso tímido marcava seu rosto. Quem o visse nesse momento jamais desconfiaria da febre que tomou seu corpo horas atrás. Quando chegaram mais perto, viram os olhos do italiano se mexerem mais vivamente para, logo depois, se abrirem.
"O que está acontecendo? Como vocês chegaram aqui?" Perguntou desorientado tentando caçar algo que lhe respondesse.
"Você teve uma febre altíssima e apagou." Disse Camilo num tom baixo. "Sua irmã e eu cuidamos de você nas últimas horas."
O sorriso já presente cresceu. Ernesto se pôs sentado na cabeceira da cama com alguma dificuldade, estendendo os braços para Camilo que, instintivamente, abraçou-o suavemente.
"Já que você está melhor, acho que eu já posso voltar para casa." Disse o pequeno príncipe ao grande carcamano durante o abraço, como se tivesse esquecido da presença de Edmundo ao fundo do quarto. O marido de Fani pigarreou ao perceber o alongamento do abraço a um período maior que o normal dos abraços que normalmente via.
"Eu... eu já vou" Camilo disse meio gago e saiu repentinamente, sem esperar uma resposta.
Ernesto até tentou se levantar, mas foi impedido pela sua própria fraqueza corporal e por Edmundo, que argumentou que, apesar da saúde restabelecida, ele deveria permanecer em repouso.
"Me responde: qual dos dois irmãos que é o médico?" Perguntou o italiano irônico.
Não houve resposta.
Enquanto Ernesto se recuperava da febre intensa, um pequeno príncipe regressava ao seu castelo. Em outras palavras: Camilo voltava para sua casa. O lusco fusco era a prova de que ele demorara mais do que pretendia, visto que saíra no meio da tarde. Os pensamentos causados pela declaração ao seu amor dormente diminuíram sua velocidade, fazendo-o chegar a sua casa quando já era noite.
"Meu filho, eu já estava começando a ficar preocupada." Disse Julieta ao ver seu filho entrando pela porta.
"A reunião se estendeu mais do que eu esperava." Falou Camilo, aterrissando finalmente.
Logo cumprimentou todos os outros e, rapidamente, subiu. Tomou um banho, vestiu alguma roupa leve e se deitou na cama, apesar de ainda faltar bastante tempo para a hora de dormir. Não apagou, todavia. Apenas permaneceu lá, fotossintetizando com a luz do abajur. Saiu desse transe quando ouviu a porta de seu quarto ser aberta devagar: era Julieta.
"O que está acontecendo com você, Camilo" perguntou de forma direta e suave ao filho.
"Nada. Foi exaustivo encontrar alguma solução pro prejuízo de umas sacas que se perdeu num descarrilamento no sul." mentiu Camilo de forma quase convincente.
"Estranho. Normalmente essas notícias normalmente se espalham rápido." retrucou Julieta não totalmente convencida.
"É que não foi em nenhuma das principais pelo que Januário me disse." desviou-se Camilo.
"Se foi pro sul talvez uma parte da minha carga tenha se perdido. Eu vou ver imediatamente isso." Falou de forma tensa a Rainha do Café. Mandara a maior parte de sua safra para venda no sul. Um descarrilamento que prejudicasse qualquer parte de sua carga seria o bastante para arruinar a fazenda por meses.
"Espera. A nossa carga foi para o Rio Grande do Sul, a sua para o Paraná. O descarrilamento foi no território gaúcho." Desviou-se novamente, dessa vez de forma tão convincente que Julieta realmente acreditou no descarrilamento fantasma.
"Se perdeu muito?" Perguntou finalmente acreditando.
"Não tanto. Já foram embarcadas outras sacas. Mas cartas de avisos, tentativas de desviar ao máximo de multas e desistências, cálculos ad infinitum e reposição de carga sem prejudicar as outras encomendas acaba com qualquer um." Completou Camilo, quase acreditando naquilo que acabara de falar.
"Mas isso não pode te impedir de comer alguma coisa ou de conviver conosco." Falou Julieta abraçando o filho, genuinamente preocupada.
"Hoje é uma exceção, minha mãe. Amanhã eu prometo que eu volto ao meu normal. Agora eu preciso descansar um pouco." Falou o rapaz com um sorriso, beijando a bochecha de sua mãe.
Julieta, mais relaxada, se levantou para sair do quarto. Na porta olhou para o filho, que ainda lhe olhava. Sorriram um para o outro e a porta foi fechada. Mais leve, Camilo voltou a olhar para o teto, formando um pequeno sorriso. Um dia contaria tudo que se passava em seu coração para sua mãe. Antes, porém, era preciso que algo se fizesse concreto. O beijo e os olhares foram recíprocos, mas quanto a declaração não havia resposta.
Em meio a tantos pensamentos que sua mente não conseguia assimilar por completo, Camilo adormeceu. Não sonhou dessa vez. Talvez o "faça-me real" dito pelo Ernesto do sonho significasse que: A partir do momento que os primeiros passos fossem completos, ele desapareceria. Quanto mais passos fossem dados para tornar essa paixão real, menos vezes ele surgiria nos sonhos, até não aparecer mais.
Após se levantar, escovar os dentes e comer uma maçã, ele percebeu que não havia ninguém na casa. Foi ver no jardim, que também estava vazio. Analisando direito a sala da casa, achou um bilhete de duas partes. A primeira dizia que Julieta e Aurélio foram ver pessoalmente se a neve prejudicara algum dos campos de café. A segunda, com outra letra, dizia que Tenória e Estilingue foram juntos fazer a matrícula do rapaz numa escola próxima ao vale.
"Ou seja: estou sozinho." Constatou Camilo. Constatou também que voltara a esquentar de vez. O termômetro marcava vinte e oito graus e eram onze e quinze. As roupas leves escolhidas para dormir ajudaram o pequeno príncipe a não acordar suado novamente, apesar de ter dormido sob um cobertor.
De repente, um cílio caiu em seu olho, causando um estado de irritação que, de início, ele tentou ignorar. Vendo, porém, que não seria capaz de ignorar tal irritação por muito tempo, subiu para o banheiro, para tentar remover o cílio diante do espelho. O processo de remoção do cabelo irritante foi curto, apesar de várias vezes aquele cílio ter se perdido dentro daqueles olhos. Lavou um pouco seu rosto para retirar qualquer outro pelo incômodo que pudesse surgir. Ao olhar o espelho novamente, porém, saltou para trás ao ver que havia outra pessoa sendo refletida além dele mesmo. Virou-se para trás rapidamente, olhando nos olhos aquele que era refletido.
"Ernesto?"
"A casa estava aberta. Mas como eu não vi ninguém eu resolvi procurar alguém." Falou o italiano num tom calmo.
"Você quer alguma coisa?" Perguntou Camilo meio gago, sem saber o que dizer.
"Não é apenas uma questão de querer..." disse Ernesto misteriosamente, aproximando-se de Camilo "...é também uma questão de precisar."
Logo o pequeno Príncipe teve sua cabeça segurada de forma leve por Ernesto, que agarrou a cintura do rapaz com força, dando-lhe um beijo intenso. O italiano reduziu a força de seu braço, com medo de machucar seu amado. Camilo, todavia, foi quem começou a aplicar uma pegada mais forte, induzindo o italiano a aumentar a força novamente. Beijaram-se como duas feras apaixonadas até que, ofegantes, interromperam-se. Entorpecido pelo prazer que sentia sendo apertado por aqueles braços que tantas noites sonhara, Camilo disse uma frase ao pé do ouvido de Ernesto:
"Vamos completar isso ali no meu quarto?"
Ernesto, sem pensar muito, respondeu aquilo que ele esperara noites e mais noites para responder:
"Só vamos."
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Nosso Sonho
FanficDuas formas diferentes de descobrir uma parte de si. Ernesto e Camilo sempre foram melhores amigos, grandes confidentes e quase irmãos. Apesar disso, eles guardam oculta dentro de si uma parte de suas vidas. Camilo se atrai exclusivamente por homens...