Ao dar play na multimídia, você ouvirá: Maria Gadú - Suspiro.
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— Sua folga não é na sexta-feira? — Amélia perguntou ao entrar na casa de Ivana e se deparar com Natã esparramado no sofá.
— Bom dia. Você esqueceu do bom dia — Natã repreende. — Era para ser sexta, mas o novato pediu para que trocássemos de turno.
— Ótimo! Vou ter que te aturar pelo resto do dia. Incrível.
— Às vezes eu acho que você me odeia, Amélia.
— Você acha?! — brincou ela, colocando as mãos na cintura. — Onde está Ivana?
— Pois bem. — O moço se espreguiçou, alcançando o controle remoto e desligando a televisão. — Foi fechar mais uma encomenda, mas a cliente é insuportável e ela avisou que demoraria. Então... - Ele se endireitou no sofá. — Teremos que fazer as entregas de hoje.
— Até a do Tarzan? — Amélia arregalou os olhos.
— Não é como se tivéssemos escolha — respondeu com um dar de ombros. A moça fez uma careta.
Amélia se encaminhou para a cozinha, deparando-se com várias caixas brancas distribuídas pelo balcão e pela mesa, esperando para serem entregues. Suspirou, não perdendo tempo e empilhando as caixas dos doces menos propensos a quedas. Natã surgiu atrás dela, ocupando-se com a mesma tarefa. Juntos, levaram as caixas para o carro do rapaz. Ineficiência realmente não combinava com a dupla.
Até acomodarem tudo, levaram cerca de vinte minutos. Amélia tinha um cuidado excepcional para ajeitar as encomendas. Afinal, sabia que um doce arruinado poderia ser a origem do caos.
— Então, você quer colocar cinto de segurança neles também? — gracejou o rapaz quando terminaram de dispor a última caixa no banco.
— Vou cogitar a sua ideia — provocou ela de volta.
Pela segunda vez naquela semana, Amélia se acomodou no banco do carro de Natã, mas sem Mozart dessa vez. Para não deixar a amiga emburrada, Natã colocou algumas MPB para tocar - as mais agitadas que conhecia dentro do gênero, pelo menos.
Os trajetos matutinos foram silenciosos. Eram poucas as coisas que os dois tinham em comum, mas uma delas, definitivamente, era a aversão por qualquer tipo de animação antes das 12:00. Ao invés disso, concentraram-se em não errar os endereços passados por Ivana. Amélia, sempre metódica, contava todos os doces antes de entregá-los e conferia o número dos estabelecimentos três vezes; assim, se sentia mais segura para estabelecer contato com os clientes.
Conforme se livravam dos produtos, ela riscava os nomes que Ivana tinha anotado.
Amélia tinha que admitir que a melhor parte das entregas era as pessoas com quem precisava falar. Observadora desde que se entendia por gente, ela absorvia os gestos, as manias e os sotaques. Lembrava-se de quem a cumprimentava educadamente e de quem a recebia com um pigarro. Comparava as entregas simples, em casas comuns, com as entregas de grandes eventos. Era admirável como, em menos de duas horas, Amélia passava de pijamas a camisas sociais em cada porta que batia (quando existiam portas, é claro).
A função da moça foi um desafio desde o início. A verdade era que Amélia amava as pessoas, mas não sabia lidar com elas - assim, era preferível manter distância. Com o tempo, no entanto, teve que aprender a socializar de modo aceitável ou Ivana perderia os clientes; e Amélia não queria essa culpa.
Além disso, era interessante o modo como indivíduos totalmente aleatórios começavam a desabafar sobre suas vidas. Às vezes, começava mais ou menos nesse estilo: "Sabe, meu filho vai ficar tão feliz com essa festa. Ele pede por uma desde que tinha quatro anos, mas eu não tinha dinheiro para bancar...". E isso era a deixa para uma longa história, de vez em quando envolvendo divórcios, parentes fofoqueiros, uma família adoentada ou apenas a empolgação de uma confraternização.
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Almas de escritores perdidos
Paranormal"Amélia encostou na parede suja da rua, tentando normalizar a respiração e focar o olhar. A água começou a encharcar suas roupas. Seu corpo inteiro tremia, mas nenhum dos passantes parou para questioná-la. Olhou para o conteúdo que tinha nas mãos:...