Interlúdio II

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Ao dar play na multimídia, você ouvirá: Aquilo - Silent movies

Se havia uma coisa que acalmava Amélia, era confeitar. Quando não podia confeitar, se contentava com cozinhar qualquer outra coisa que estivesse no nível de suas habilidades culinárias. Descontar a tristeza, a raiva ou a angústia na comida sempre foi uma de suas escapatórias. Por isso, também tinha começado a trabalhar com Ivana.

A moça estava colocando uma pequena quantidade de macarrão cozido num escorredor para lavar com água fria. Não estava com disposição de fazer coisas extremamente elaboradas, depois da enxurrada emocional que recebeu de Victor e Gabriel, então resolveu pegar uma receita mais ou menos diferente na internet. O próximo passo era jogar a massa no bacon frito, e a jovem pensou que realmente deveria parar de comer carne um dia.

— Parece bom. — Ela sentiu um sussurro perto de seu pescoço e deixou todo o macarrão cair na pia. Quando se virou, de olhos arregalados, quase não acreditou na visão. Na verdade, não acreditou nem um pouco. — Surpresa? — Ícaro riu.

Amélia abriu a boca, sem saber o que dizer, e fechou de novo. Aproximou-se do espectro e tocou o braço dele de leve. A temperatura e a textura da pele dele não mentiram: realmente, o fantasma estava ali.

Num ímpeto, a jovem se jogou em cima de Ícaro para um abraço. Seus braços instantaneamente se arrepiaram, e o seu sistema respiratório estava sendo invadido, como de hábito, entretanto, Amélia ignorou com a mesma força que ignorava toda e qualquer coisa que a desagradasse em momentos importunos.

— Uau, não esperava por essa. — Ícaro franziu a testa, abraçando Amélia de volta. — Nenhum xingamento por ver você de camisola?

— Não estou nem aí — respondeu ela, escutando a própria voz falhando.

Os minutos se passaram, ela ainda não estava disposta a soltar o espectro, e ele tampouco se moveu. Para sua completa frustração, o seu corpo estava reagindo terrivelmente mal à aproximação, triplicando todas as sensações desagradáveis já citadas, o que a forçou a desfazer o contato.

— Então... — Ele sorriu, sem graça, passando a mão no cabelo. — Alguma novidade?

— Que história é essa? — Ela encostou na pia, balançando a cabeça. — Primeiro, me diga você: como é que conseguiu sair da livraria? E mais importante, quando foi que te falei meu endereço?

— Ah, poderia ser uma história longa, mas não é. — Ele coçou a nuca, olhando para baixo. — Não estou tão sozinho quanto pensava, afinal. Um... Espírito... Mais evoluído decidiu me ajudar, o que quer dizer que agora sou livre, acho. E você me contou seu endereço ontem.

Amélia cerrou os olhos.

— Espírito? Do seu acidente?

— Não. De outro lugar que ele não podia contar, ética de fantasma, sei lá, Amélia. — Ícaro deu de ombros. — Ele me deixou livre, e eu vou ajudar com algumas coisas, em troca.

— E por que ele não apareceu antes?

— Você não está feliz que posso sair agora? — Ele mordeu os lábios, apreensivo.

Realmente, nada corajoso.

— É óbvio que estou. — Ela sorriu. — Só foi meio inesperado.

O fantasma puxou uma cadeira, acoplada à mesa da cozinha, e a virou ao contrário para se sentar. Assim, pôde apoiar o queixo no suporte do objeto. A moça ainda estava se acostumando a vê-lo em outro cenário que não a livraria antiga.

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