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Ícaro afastou-se. Não teria como reagir de outra forma aos olhos arregalados de Amélia.
— Que bom que acredita em mim agora — limitou-se a dizer, dando as costas e caminhando para longe dela.
— Você não é transparente. — A moça não conseguiu controlar as próprias pernas, surpreendendo-se consigo mesma ao ir atrás dele. — Conseguimos nos tocar. Você não atravessa objetos.
Ícaro virou-se, fazendo com que Amélia brecasse seus passos. Ele sorriu, mordendo o polegar.
— Também não sei o porquê. — O espectro focou o olhar na testa da visitante. — Você sua muito quando está com medo.
Ela soltou uma lufada de ar. Havia esquecido de respirar. De novo. Cerrou os punhos com força para controlar a tremedeira.
O rapaz deu alguns passos para a frente, apenas para vê-la prender a respiração de novo e abrir a boca em pavor. Pela segunda vez, ele sentou no chão empoeirado, em posição borboleta.
— Vai ficar menos assustada se apoiar o seu peso em um sólido — sugeriu ele, gesticulando para o chão.
Com evidente apreensão, Amélia optou por ajoelhar e apoiar-se sobre os calcanhares. Seus músculos estavam rígidos, preparados para uma possível fuga de emergência.
— Não posso te dar detalhes concretos — começou ele. — Só lembro de ter apagado. Em um momento, eu estava no ônibus, indo para o Theatro Municipal. — Observou a calça preta. — No outro, não estava mais. E depois, estava na livraria.
— Um acidente no ônibus — processou Amélia, ajeitando o peso sobre os pés. — Então mais pessoas morreram. — Ela olhou ao redor com o coração aos pulos. — Tem outros como você?
— Não.
Pela primeira vez, Amélia sentiu uma grande agulha estourar sua bolha de covardia para detectar tristeza na voz de Ícaro.
— Não que estejam aqui — explicou. — Mas provavelmente morreram também. A carreta bateu de frente.
A facilidade com que ele falava aquilo era perturbadora.
— Horrível — sussurrou ela.
Ambos ficaram em silêncio por alguns segundos. Amélia o encarou.
— Está mais calma? — indagou Ícaro.
Não houve resposta.
— Você fez muito isso na vida, não é? — Ele sorriu. — Deixar as pessoas no vácuo.
A moça se viu em uma pequena confusão mental antes de lembrar:
— Memórias — murmurou. — Você roubou minhas memórias.
— Não todas. Juro que não vi nada constrangedor.
— Por que não... Todas? — Seu corpo ainda estava tenso. As pernas estavam começando a doer por causa de sua posição.
— Tantas perguntas, nenhuma resposta. — Ele pendeu a cabeça para o lado. — "Só sei que nada sei". Tenho acesso às coisas mais importantes. Quer dizer, as que parecem ser mais importantes.
— Como o quê?
O espectro deu um sorrisinho.
— Por que eu te diria? Você ainda quer sair correndo.
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Almas de escritores perdidos
Мистика"Amélia encostou na parede suja da rua, tentando normalizar a respiração e focar o olhar. A água começou a encharcar suas roupas. Seu corpo inteiro tremia, mas nenhum dos passantes parou para questioná-la. Olhou para o conteúdo que tinha nas mãos:...