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Ao dar play na multimídia, você ouvirá: Jacob Lee - Demons

No primeiro dia, Amélia voltou à livraria sem pânico. Ela andou todos os corredores, sussurrando o nome de Ícaro enquanto sentia o nariz se irritando com o pó. Sem resposta. Saiu sem nem se despedir de Miriam. Mas estava tudo certo. Ele apareceria alguma hora, ela tinha certeza.

Quando acordou no segundo dia, saiu em busca dele pelo apartamento. Afinal, poderia haver uma chance, não? Infelizmente, o fantasma também não tinha se escondido embaixo de sua cama nem nada. À noite, a livraria estava fechada e ela não pôde procurá-lo. E, em acréscimo, não estava tão desesperada a ponto de arrombar o estabelecimento em pleno horário de pico. Estava tudo bem. Ele ia retornar e eles iriam rir da preocupação dela.

No terceiro dia, Amélia acordou no meio da madrugada com um baque. Mais assustada do que esperançosa, ela acendeu a luz e viu que era seu celular que tinha caído no chão durante o sono. Sem saber o motivo, a moça quis chorar, o que era ridículo. Ele ia voltar, sim, se já não tivesse voltado. Não precisava se debulhar em lágrimas. Ele poderia estar aproveitando a liberdade recém-dada — que ela nem tinha entendido como ele havia conseguido, para começo de conversa. Iria perguntar sobre isso, mais tarde, na livraria, porque ele estaria lá.

Porém, mesmo aparecendo pontualmente no horário habitual, não encontrou nada além dos murmúrios silenciosos que vinham das páginas dos livros.

O pânico, finalmente, começou a se instalar. Depois de tanto reprimir, Amélia começou a dar asas para seus piores pensamentos: Ícaro era um espírito, afinal, e não poderia ficar por ali para sempre. Com certeza, esse não era o destino dos fantasmas. Teria ele ido para... O limbo? O céu? Ela não fazia a mínima ideia. Mas ele não poderia ter se despedido? Existiam regras para isso, também?

Não, ela pensava mais além. Por que diabos ele teria desaparecido logo após... Bem, ela evitava pensar naquilo, mas ele a tinha visto beijando Natã. No fundo de sua mente, isso a incomodava mais que a ideia de um limbo pós-morte. O que era ridículo. É claro que Ícaro não estava com ciúmes, não é? Quer dizer, apenas pessoas apaixonadas sentiam ciúmes, e ele era um fantasma. Fantasmas não se apaixonavam.

Curiosamente, ela sentia uma pressão esquisita no peito ao pensar que humanos também não se apaixonavam por fantasmas. Seria, no mínimo, esquisito. Nenhuma história a tinha ensinado isso. Normalmente, espectros só eram assustadores e derrubavam objetos aleatoriamente para assombrar pessoas. Ícaro nem parecia um fantasma de verdade, pensando assim.

Amélia não sabia nomear as próprias sensações, mas o vazio que a estava perfurando de dentro para fora era genuíno demais para ignorar. Não importava o que estivesse sentindo de fato, era inegável que Ícaro era uma parte importante sua, fundida à sua respiração de cada dia. E, sem dúvidas, sentia-se asmática.

O corredor da livraria, no início, a havia causado medo, repulsa, hesitação e, depois familiaridade. Porém, no quarto dia de tentativa, Amélia se sentia asfixiada pelas paredes. A noite barulhenta, do lado de fora, parecia tão errada quanto nunca. Nada nunca esteve certo na vida de Amélia, mas Ícaro havia trazido equilíbrio, e ela só percebeu quando a balança estava quebrada pelo peso excessivo do lado direito.

Talvez tenha sido essa sensação que a tirou de dentro de si mesma, a ponto de não se reconhecer quando perguntou para Miriam, que já estava arrumando o balcão para, ao que parecia, ir embora:

— Onde ele está?

A velha a encarou, insondável, arrumando recibos em uma pilha.

— Não sei.

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⏰ Última atualização: Aug 24, 2023 ⏰

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