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Ao dar play na multimídia, você ouvirá: Aquilo - Who are you?

Sair de casa é um ato de coragem. Com todas as Leis de Murphy e os efeitos borboletas, nunca dá para saber realmente o que vai acontecer. É assim que as pessoas morrem. Às vezes de forma trágica, como num acidente de ônibus.

Mas se todos os seres humanos resolvessem viver em cativeiro como ato de pura proteção, o mundo não seria... Mundo. Quantas coisas seriam perdidas?

Amélia olhou poucas vezes para o movimento da rua antes de entrar na livraria. Havia acordado pensando em todas as possíveis consequências de suas ações até o momento, e no conjunto de atitudes que ainda iria tomar, provavelmente encadeando mais acontecimentos e caminhos sem volta.

Não que pensar estivesse ajudando.

Assim que chegou nos fundos da livraria, ouviu a voz de Miriam. Um arrepio lhe subiu à espinha quando cogitou a possibilidade de que a velha estivesse falando com Ícaro. Aproximou-se com cautela e, ao invés do espectro, viu apenas uma mulher de cabelos longos comprando um livro (afinal, iria adiantar se aproximar sorrateiramente? Fantasmas tem super audição?). Soltou a respiração, sem perceber que estava segurando o ar.

Miriam a encarou da mesma forma penetrante e assustadora das outras vezes. Amélia, definitivamente, não sabia lidar com aquilo. Será que um dia saberia?

A idosa balançou a cabeça para as estantes que ficavam mais no fundo, as mesmas do dia anterior. A garota entendeu que deveria ir para lá, então não hesitou, colocando um pé na frente do outro.

Imersa em seus receios, olhou para os nomes borrados dos autores conforme andava. Indagou-se como seriam as coisas, naquele momento, se não fosse antissocial, se não gostasse tanto de ler, se tivesse viajado com os pais, se nunca tivesse entrado na livraria...

O que teria acontecido?

— Seria útil ler seus pensamentos agora.

Amélia sufocou um grito na garganta com o som de Ícaro falando. Ele estava relativamente longe, sentado numa poltrona bege e desgastada, com um livro aberto nas mãos. Mesmo assim, ela ainda se assustava.

— Não é legal ficar aparecendo do nada assim — disse a moça, num fiapo de voz.

Ícaro soltou o livro no colo.

— Eu estava aqui o tempo todo.

Amélia franziu os lábios e estreitou os olhos. Sentado daquele jeito, ele parecia tão... Normal.

— Você não é bem o tipo de fantasma que eu imaginava. — Ela se aproximou, entrelaçando os dedos, sem saber muito bem o que fazer.

Ícaro riu, e o som das risadas pareceu ricochetear pelas paredes. Amélia sorriu fracamente também, encostando em uma das estantes. Numa encarada muda e longa, relembrou o quanto os olhos dele eram mortos e nebulosos.

Como ele.

O espectro largou o livro na poltrona para se aproximar de Amélia. Corajosamente, ela permaneceu no mesmo lugar, apesar do coração palpitando alto e do corpo trêmulo.

— Senhorita — falou Ícaro. — Você me daria a honra de um passeio por esse vasto mundo de histórias?

Amélia ergueu as sobrancelhas.

— Também conhecido como livraria — voltou a se pronunciar o fantasma.

— Sim, eu entendi. — Foi o retruco.

Almas de escritores perdidosOnde histórias criam vida. Descubra agora